Genialidade e destreza
O meu pai era um homem muito inteligente – e estou à vontade para o dizer porque levei a vida toda a ouvir quem o conheceu dizer-me a mesma coisa. Ainda hoje, quando alguém olha para o meu apelido e me pergunta se sou filha dele, à resposta afirmativa segue-se quase sempre uma frase atestando a genialidade do progenitor. Mas, apesar dela, o Luiz Pedreira tinha alguns problemas em atravessar ruas (levava uma eternidade), guiar automóveis (ia em segunda uma eternidade) e levantar dinheiro num multibanco (pedia à minha irmã). Conheci muita gente inteligente que nunca conseguiu tirar a carta de condução e acabo de ler no El País que Vargas Llosa não usa telemóvel nem correio electrónico (duas das razões que apontou para não poder aceitar o convite para dirigir o Cervantes). Cá em Portugal, lembro-me, por exemplo, de que Eduardo Lourenço continua a escrever à mão e já aqui contei uma história sobre ele e um fax que mostrava o seu pouco jeito para as máquinas. Um dia destes, contaram-me que Lobo Antunes só viaja sozinho se os voos forem directos, porque receia escalas e transbordos e não quer ficar perdido no meio do mundo; e o escritor Juan Goytisolo confessou num artigo que li recentemente que não fazia a mais pequena ideia do que era um iPad ou um iPhone e ainda escrevia com caneta, não tendo sequer passado pela máquina de escrever. É divertido ver como a inteligência tem tão pouco que ver com a destreza de carregar em botões... Assim, quando vemos um piolho ganhar um jogo de computador logo à primeira, não quer dizer que seja necessariamente inteligente.