Traições
Chamam muitas vezes «traidores» aos tradutores – e alguns são-no verdadeiramente. Ao longo de vinte anos a trabalhar no mundo editorial, encontrei de tudo: traduções excelentes, feitas por pessoas que pareciam ter nascido para a tarefa; boas, feitas por gente competente e trabalhadora; médias, a maioria; más, sobretudo as que mostravam permanentemente a língua de origem; e calamitosas, que não se deixavam ler e iam para o lixo por não terem salvação possível. Entre estas últimas, lembro-me, por exemplo, de um dos primeiros livros que veio à minha mão para eu rever (já lá vão mais de vinte anos) e cujo tradutor sabia tão pouco inglês que conseguiu traduzir «shake hands» por «sacudir as mãos». (Hoje o inglês entrou de tal maneira pelo nosso quotidiano que seria impossível alguém ir tão longe.) Mas até os tradutores competentes caem muitas vezes em esparrelas, e sabe-se que um dos nossos mais conceituados tradutores de castelhano, levado talvez pela pressa, cometeu o erro de traduzir «palomitas» (pipocas) por «pombinhas» (e, como se tratava de comer no cinema, o leitor estranhava). Também me contaram que, numa tradução brasileira, apareceu a expressão «vendedores de bestas» para traduzir «best-sellers». A ser verdade, uma traição maior.