A vida partilhada
Tive a felicidade de conhecer pessoalmente Al Berto no final dos anos 80 – e conservo ainda, entre outras coisas que estimo particularmente, uma carta que ele me mandou a respeito dos meus primeiros poemas publicados, na qual tenho imenso orgulho, não por ele ter sido uma figura importante das letras portuguesas, mas pela pessoa adorável que era – generoso, cheio de humor, bom companheiro, de uma afabilidade sem limites (além de dizer poemas fantasticamente com aquela voz grave que eu adorava). Al Berto é uma referência para todos nós que escrevemos actualmente poesia e já ouvi Eduardo Lourenço chamar-lhe «o último poeta-mito português». Agora, a também poeta Golgona Anghel lançou-se na tarefa hercúlea de pegar nos trinta e seis cadernos e agendas de Al Berto e editar, a partir desse material, os seus Diários entre 1982 e 1997. Não contem, porém, com a descrição pura e dura dos movimentos quotidianos do escritor, porque, como a organizadora se apressa a explicar no texto que define os critérios que seguiu para a edição, uma parte desse material funciona «como laboratório de escrita», o que é, de resto, excelente notícia para os amantes da sua poesia, que aqui encontrarão razões suficientes para rejubilarem com textos que nunca leram ou leram de forma mais definitiva mas ignorando o que haviam sido no embrião. E as entradas que dizem respeito à vida da pessoa (aonde foi, como se sente, quem apareceu, de quem recebeu cartas, etc.) são tantas vezes visitadas por essa poesia a que nos acostumou que, como se refere na introdução, o homem e o escritor não são separáveis na entidade Al Berto e a realidade parece constantemente atravessada pela literatura. Um pequeníssimo exemplo: «[...] passam as luas e marcam nos vidros da janela um sulco de claridade.» São muitas páginas para ir lendo devagar, como a crónica de um pequeno grande mundo que admiramos.