Cônjuge literário
Ser o companheiro pessoal de um grande escritor não é tarefa fácil e, num artigo do Le Monde que me passou a minha colega Maria da Piedade Ferreira um dia destes, a autora, Raphaelle Rérolle, confessa que por vezes se cruza com um destes «cônjuges» nos festivais literários e que eles estão sempre dois passos atrás do escritor com quem vivem, como sombras, privados de identidade própria. No entanto, o seu papel na vida dos criadores pode ser fundamental, como sabemos por vários exemplos conhecidos – e aqui perto de nós, o de Pilar del Río, viúva de José Saramago –, embora, mesmo assim, na maioria do tempo tenham de concorrer com fantasmas e personagens de papel e lutar contra eles por atenção. Cada um destes homens e mulheres terá o seu segredo para sobreviver à fama e ao estrelato do cônjuge, e um deles é tornarem-se assistentes do escritor e gerirem as suas agendas, quando não ocuparem-se até das suas visitas, como se diz que fez toda a vida o marido de Agustina Bessa-Luís, que ia à estação buscar as pessoas que queriam ver e falar com a grande senhora do Porto; e há até quem leve a sua posição de dependência do escritor ao extremo de morrer com ele, como aconteceu à mulher de Stefan Zweig, que se suicidou com o marido em Fevereiro de 1942. Mas a maioria dos companheiros de escritores acabam por passar por cima de muita coisa por considerarem que é, acima de tudo, um privilégio partilharem a vida com um génio, como Maria José de Lancastre, a viúva de Tabucchi, que hoje ocupa os seus dias com o espólio do escritor italiano que, ao que parece, era bastante desarrumado e nunca vinha para a mesa quando ela o chamava.