Uma ponte nunca vista
Mathias Énard costuma ser um escritor difícil, mas desta vez presenteou-nos com um curto romance extraordinariamente acessível que até deve ser oferecido a adolescentes, pois dele retirarão um imenso prazer. Chama-se Fala-lhes de Batalhas, de Reis e de Elefantes e tem como protagonista o grande escultor Miguel Ângelo, que anda zangado com o papa Júlio II por este não lhe ter pago o que lhe devia e, um pouco enraivecido com a situação, resolve aceitar um convite do sultão de Constantinopla para desenhar uma ponte sobre o Bósforo. Temente a Deus, o argumento que o convence a partir (e, mesmo assim, às escondidas) é o facto de Leonardo da Vinci ter respondido anteriormente ao mesmo convite, mas, pelos vistos, se ter saído mal, realizando o projecto de uma ponte inexequível. Já na estrondosa Istambul, o seco Miguel Ângelo conhecerá um poeta de Pristina que será o seu companheiro mais constante (e com o qual terá uma relação que, para mim, é o melhor desta novela) e uma personagem obscura (homem ou mulher, logo veremos) que foi expulsa de Granada e faz parte dos refugiados desse reino perdido. Com capítulos curtos e extrema musicalidade, o livro de Énard é uma obra de rara beleza sobre a arte, a amizade, o amor (ou a incapacidade de amar) e ainda uma ponte que ninguém chegou a ver (mas o desenho subsiste) e os pormenores que o grande escultor de Florença trouxe na memória dessa viagem e usou, aqui e ali, nas obras enormes que conhecemos. Prodigioso.