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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

30
Set11

Curto reinado?

Maria do Rosário Pedreira

Há uns tempos, indignámo-nos com a passagem do Instituto do Livro e das Bibliotecas a uma mera Direcção-Geral. Os que trabalham com livros sabem a importância que este organismo tem tido ao longo dos tempos, seja na internacionalização da literatura portuguesa, seja na promoção da leitura, seja ainda na realização de feiras do livro em países lusófonos carenciados como a Guiné-Bissau, Moçambique ou Cabo Verde. Nas operações de poupança da despesa pública, houve agora por parte do Governo a decisão de fundir a Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas com a dos Arquivos, criando assim uma nova entidade cuja sigla faz pensar em experiências de laboratório (DGLAB). Não sei bem o que significa esta fusão, porque, segundo percebi, se trata apenas de diminuir o número de cargos dirigentes com vista a uma gestão mais racional (e mais barata) e nos dizem que, apesar dela, a política para o livro é central para a Secretaria de Estado da Cultura. O que me pergunto é se o Director-Geral do Livro, José Manuel Cortês, que foi nomeado há tão pouco tempo, conseguirá manter o lugar ou se tornará, afinal, o monarca do mais curto reinado de sempre à frente da instituição.

29
Set11

Ler em estrangeiro

Maria do Rosário Pedreira

Não tenho nada contra as pessoas que lêem livros estrangeiros, mesmo quando essas obras estão disponíveis em português, até porque frequentemente as nossas traduções deixam bastante a desejar. Eu própria já li numerosos livros noutras línguas, fosse por imperativo profissional (para avaliar se valia a pena publicá-los em Portugal), fosse por gostar tanto do autor que se tornava penoso esperar por uma tradução quando o original já ali estava à mão de semear, fosse até por crer, em certos casos específicos (sobretudo tratando-se de poesia), que uma tradução, fosse portuguesa ou numa língua diferente da original, nunca faria jus ao que o autor escrevera. Porém, sempre que me pediram de revistas ou jornais que indicasse a lista dos livros preferidos ou do que andava a ler, referi as edições portuguesas, acreditando que deste modo levaria mais pessoas a comprarem e lerem esses livros. Vem isto a propósito do novo suplemento do Diário de Notícias que veio substitui a falecida NS e no qual se pergunta a uma figura pública quais as suas leituras no momento. E é curioso que, até onde me foi dado ver, todas elas citam maioritariamente livros em inglês, muitos dos quais já publicados há muito tempo em versão portuguesa. Embora possa não ser nada disso, cheira-me a pretensiosismo intelectual e não creio que essa opção (quiçá sincera) ajude os leitores a aceitarem as sugestões e a lançarem-se na aventura de procurar nas livrarias os correspondentes títulos em português.

28
Set11

O mal dos pequenos

Maria do Rosário Pedreira

Diz o autor de As Mãos Pequenas, publicado na bela colecção Minotauro, que muito provavelmente não teria escrito o livro se não lhe tivessem lido o Requiem por Um Menino Morto, de Rilke. Pois ainda bem que lho leram, porque Andrés Barba é um jovem escritor espanhol digno de nota e esta novela a prova de que poderá ir longe na literatura. Partindo de uma premissa interessante, que é a de uma menina de família ficar precisamente sem família aos sete anos na sequência de um desastre que lhe mata os pais e ser, por isso, entregue a um orfanato, esta é a história de um confronto – entre quem chega e quem estava, entre o indivíduo diferente e a massa incaracterística, entre a memória e a hipótese, morta à nascença, de um futuro. Brilhantemente escrito, com uma tradução cuidada, violento porque a infância está sempre cheia de maldade, mas elegante e subtil na sua descrição, não se perca esta obra singular e inteligente que é também sobre o fascínio do desconhecido e a incapacidade de amar o que não se compreende.

27
Set11

Os livros que somos

Maria do Rosário Pedreira

Enquanto me dedico a apreciar originais com vista à publicação, consigo dizer com relativa facilidade quais pertencem a autores que lêem e quais são escritos por gente que escreve sem ter lido. Em alguns casos, garanto, é até possível identificar algumas das leituras de um autor pelo que escreve (e não estou a falar de influências explícitas). Mas – escritores ou não – todos somos aquilo que lemos, pois os livros são como gente com que nos cruzamos ao longo da vida (e gostamos de uns mais do que doutros, mas todos são determinantes para o que nos tornamos). Não me tinha, porém, ocorrido essa fantástica perspectiva de Manuel António Pina numa crónica recentemente publicada na revista Notícias Magazine: a de que, curiosamente, também somos aquilo que não lemos; no seu artigo, Cavaco era, por exemplo, os livros todos de economia que lera, mas também Os Lusíadas que nunca lera – e acho que tem razão o nosso mais recente Prémio Camões. O pior é que agora, quando olho para as minhas estantes, descubro que sou imensa coisa que nunca me tinha passado pela cabeça (ou pelos olhos).

26
Set11

Os três males

Maria do Rosário Pedreira

Uma das coisas boas na vida de um editor é conhecer autores inteligentes e interessados que nos ensinam coisas e passam boa informação. Há algum tempo, o Nuno Camarneiro, autor de No Meu Peito não Cabem Pássaros, publicado em Junho, enviou-me um link para o segmento de uma longa entrevista a Gilles Deleuze sobre cultura no qual ele falava de literatura e edição. Antes de mais, foi um consolo saber que um homem como ele acreditava que, apesar de a cultura e a educação estarem a viver um péssimo momento em todo o mundo, quase a baterem no fundo, isso não queria dizer que não fosse possível suceder-lhe um período rico (o Renascimento sucedeu, afinal, à Idade Média). Mas o que mais me fascinou foram os três males que apontou para que as coisas tivessem chegado ao ponto a que chegaram no mundo das letras: 1) Que os jornalistas se tivessem posto a escrever livros (Deleuze dizia que sempre houve escritores jornalistas, claro, mas que muitos dos que hoje publicam livros não são, realmente, escritores). 2) Que, em parte por causa disso, toda a gente achasse que podia escrever um livro (não podia estar mais de acordo: o talento tem de ser a excepção, e não a regra). 3) Que a relação entre o livro e o leitor passou a ser, infelizmente, mediada pelo ponto de venda, que subverte tudo, porque precisa de facturar – e depressa –, devolvendo livros aos editores que ainda não tiveram tempo de se afirmar no mercado e obrigando os editores a produzir um número de novidades muito superior ao razoável e, por isso, de qualidade muitas vezes duvidosa. Muito bem, monsieur.

23
Set11

O texto e o suporte

Maria do Rosário Pedreira

Nunca como nestas férias vi tanta gente a ler num e-reader. Bem sei que a maioria desses leitores provinha de países estrangeiros – falavam inglês e neerlandês, sobretudo. Mesmo assim, parece que a coisa veio para ficar, e reconheço que, se tivesse de ler, por exemplo, para uma tese durante as férias, essa seria a melhor forma de levar comigo a bibliografia (levei oito livros numa pasta, que pesava bastante, e não era trabalho). Confesso que ainda não me habituei a ler livros num ecrã – gosto de folhear, dobrar o cantinho, ler duas passagens de páginas distantes em simultâneo, dividir o livro entre o que já li e o que ainda falta com o polegar, tudo tiques que, na máquina, seriam mais ou menos impraticáveis. No entanto, desde que herdei um iPad do Manel, já não o dispenso e quase todas as noites o ligo para investigar alguma coisa, nem que seja o nome de um actor que me escapa ou assistir ao trailer de um filme que vai dar na televisão e quero saber se vale a pena trocar por um livro ou por uma boa conversa. No fundo, porém, acho que aquilo que importa realmente é o texto, e não o suporte, e admito que estes livros virtuais possam ser realmente mais práticos de arrumar (o que eu não teria poupado em estantes) e mais ecológicos. Ao mesmo tempo, lembrando alguns textos de poesia de autores como Apollinaire, nos quais a forma era também o conteúdo (se é que isto se pode dizer), pergunto-me se estes dispositivos (nos quais se pode aumentar a letra a gosto, alterando as linhas e, consequentemente, o formato do texto) não poderão de algum modo subverter as intenções originais de um autor.

22
Set11

Clarissa, meu amor

Maria do Rosário Pedreira

Dificilmente encontrei entre as minhas leituras um autor mais visionário e moderno para a sua época do que Virginia Woolf. E os seus romances são talvez os únicos em que os pontos de exclamação espalhados pelas páginas nunca me incomodaram. É absolutamente fantástico pensar hoje que Mrs. Dalloway – a obra aonde Michael Cunningham foi beber para escrever o também extraordinário As Horas – foi escrito em 1925! (E aqui a exclamação é minha, e justifica-se.) Pois bem: a senhora Dalloway desta imperdível obra-prima é Clarissa, que começa o livro a comprar flores para mais uma das suas muitas festas (à qual não faltará sequer o primeiro-ministro) e o termina aparecendo junto a um convidado muito especial – Peter Walsh, o homem que se apaixonou por ela na juventude e, apesar de preterido por Richard Dalloway, nunca deixou de a amar um único minuto da sua vida (com tudo o que ela tem de snob e detestável, o que é ainda mais engraçado). Entre o primeiro e o segundo momentos, existe, porém, um tempo que contém tudo: as memórias, a crítica implacável, os efeitos da Primeira Guerra Mundial, a relação da Inglaterra com a Índia, o fosso entre as classes sociais, enfim, um sem-número de questões, dramas e análises impiedosas numa escrita que parece por vezes quase automática, mas que é de extraordinária inovação ainda hoje. Uma das coisas melhores nos bons autores é que nunca envelhecem, e o caso de Woolf é paradigmático.

21
Set11

Ler e não ler

Maria do Rosário Pedreira

Há pouco tempo fui passar um fim-de-semana junto ao mar; e, embora tivesse levado comigo um livro, não consegui passar das primeiras trinta páginas, tão precisada estava de ter os olhos todos para as ondas. Sou uma mulher tipicamente urbana, mais de me fechar em casa a ler um bom livro, mas em certas ocasiões também não dispenso isso a que chamam contacto com a natureza e que me traz excelentes recordações de infância de férias ao ar livre com passeios de bicicleta, caminhadas no areal e explorações científicas em pinhais e terrenos abandonados. Hoje as crianças das cidades estão muito metidas em casa e, quando não, trocam frequentemente a rua e o jardim pelos corredores dos centros comerciais, nos quais as pessoas se atropelam aos sábados e lambem montras cheias de coisas que nunca poderão comprar. Li que algumas crianças americanas, quando lhes pedem que desenhem uma galinha, a representam depenada e embalada como a vêem no supermercado, porque nunca tiveram realmente oportunidade de ver ao vivo um simples pintainho. E, por muito que ler seja importante, nada substitui o pôr as mãos na terra e descobrir. Nenhuma ilustração do mar substitui as verdadeiras ondas.

20
Set11

Carta à filha

Maria do Rosário Pedreira

Ana Cristina Silva tem-se destacado pela autoria de romances psicológicos em torno de personagens reais. Já escreveu sobre várias mulheres, entre as quais Florbela Espanca ou Mariana Alcoforado, tendo agora chegado a vez de se dedicar a Carolina Loff, nascida em Cabo Verde, onde na infância, pelas injustiças a que assistiu entre brancos e negros, lhe nasceu o sonho de tornar o mundo um lugar mais justo. Mandada para Lisboa com o objectivo de concluir os estudos, Carolina acabou a militar no Partido Comunista, sendo presa pouco tempo depois de se envolver com um jovem camarada e engravidar. A mãe cuidou-lhe da criança durante a clausura, mas quando foi libertada Carolina levou a menina para Moscovo, onde trabalhou para os altos quadros do Comintern. Chamada, porém, a desempenhar funções em Madrid durante a Guerra Civil, deixou-a temporariamente num colégio interno; e, por vicissitudes que o romance explicará, só voltou a vê-la vinte anos depois, já depois de ter sido banida do Partido por se ter apaixonado por um inspector da PIDE, com quem foi viver. Cartas Vermelhas é, pois, como uma longa carta a essa filha que cresceu sem mãe, na qual Carolina Loff – que conheceu Cunhal e muitas outras figuras de proa do Partido – se justifica e confessa, rememorando toda a sua vida na viagem de comboio que se sucede ao encontro entre ambas. Muitas vezes comovente, esta é uma obra de ficção que também merece ser lida como um documento de uma época e de várias circunstâncias.

 

19
Set11

Um amor japonês

Maria do Rosário Pedreira

Murakami é talvez o mais internacional dos escritores japoneses contemporâneos e os seus livros são um êxito de vendas em vários países europeus, entre os quais Portugal. Vai, por exemplo, em nona edição o romance Sputnik, Meu Amor, de que tomei conhecimento por uma jovem leitora que o comprara em inglês em Nova Iorque há uns dez anos, quando eu ainda estava na Temas e Debates, mas que, por qualquer razão, ainda não tinha tido ocasião de ler. Embora me tenha parecido melhor na primeira metade do que na segunda (ou seja, até ao desaparecimento da jovem Sumire numa ilha grega), é obviamente um livro muito curioso sobre as vidas sentimentais de um homem e duas mulheres, sobre o amor não correspondido, os traumas de adolescência e o que é sentir e não sentir, sobretudo fisicamente, o amor. Com um tom levemente informal, mas sem esquecer a poesia em muitas passagens, esta é uma obra também interessante pela alternância do relevo ficcional das três personagens – Sumire, Miu e o narrador – e por um certo desdobramento dos vários eus, quase roçando a literatura de mistério.

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