O rapaz e o homem
Deliciosa novela esta, para ler de fio a pavio durante um serão, porque as páginas são menos de cem e a letra grande para não cansar os olhos. Boa noite, Senhor Soares, de Mário Cláudio, é uma história inteligente e bonita que cruza o jovem aspirante a caixeiro António Felício e o tradutor Soares no escritório dirigido pelo senhor Vasques, onde também circulam o Moreira, o Borges e outras personagens que facilmente reconheceremos do Livro do Desassossego – porque este Soares que convoca o respeito e exerce o fascínio do António não é senão o Bernardo, heterónimo de Pessoa, um tipo bastante neurasténico que escreve poemas e come pouco, fala quase nada e está atento a tudo, mesmo quando parece que não. Contada pelo António – moço que veio da província e se instalou em casa da irmã, moura de trabalho por causa de uma sogra e de um marido insuportáveis que só merecem ser conhecidos no papel –, esta é a história do pequeno a olhar para o grande, do provinciano a admirar a capital, do rapaz sensível com medo de se rir da estranheza do génio. De leitura extremamente aprazível e até ternurenta, não falha nesta novela uma referência de passagem a Tiago Veiga, protagonista do mais recente livro do autor, como um anúncio velado do que estaria para vir.