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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

10
Dez13

Presentes (não) muito católicos

Maria do Rosário Pedreira

Quando chego todas as manhãs ao quiosque para comprar o jornal, além da bisbilhotice sobre os famosos que salta logo à vista em mil capas flamejantes, sobressai um sem-número de objectos que alegram os olhos: carteiras, copos, lenços, toalhas e até faqueiros distribuídos à peça, que quem quer vender revistas oferece como brindes em todas as estações do ano (no Verão, há até toalhas de praia e chapéus). Também alguns livros mais «senhoriqueiros» vêm agora celofanados com frascos de perfume e bolsinhas com estrelas brilhantes e natalícias numa espécie de dois-em-um que pretende convencer o cliente a levá-los e, assim, dar a alguém um presente mais valioso. Mas do que eu não estava mesmo à espera era de que um livro do Papa Francisco, Sobre o Céu e a Terra – no qual o simpático Jorge Bergoglio fala da família, da fé e do papel da Igreja –, aparecesse nos escaparates das livrarias como um produto de quiosque, trazendo colado à capa um saco com uma medalhinha e um santinho como oferta. Enfim, bem sei que os livros se vendem cada vez menos nesta época de crise, mas brindes neste caso não me parece lá muito católico...

09
Dez13

O poeta e a rainha

Maria do Rosário Pedreira

No dia 1 deste mês, o poeta Nuno Júdice recebeu das mãos da monarca espanhola, em Madrid, o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana. Este prémio, que visa galardoar uma obra de inegável interesse no contexto da Península Ibérica e é atribuído pelo Património Nacional de Espanha e pela Universidade de Salamanca, fora apenas entregue uma vez a um português – no caso, Sophia de Mello Breyner Andresen. O autor, que é também ficcionista, ensaísta e dramaturgo, viu já a sua obra merecer muitos outros prémios de relevo, por romances ou colectâneas de poemas, como os da APE e do PEN Clube e bem assim o Prémio D. Dinis ou o Fernando Namora. Mas um prémio desta craveira é excepcional, até porque permitirá certamente maior atenção à nossa poesia por parte dos nossos vizinhos. Nuno Júdice acaba de lançar um novo poemário, Navegação de Acaso, nas Publicações Dom Quixote. Espero que esta distinção, amplamente difundida nos meios de comunicação, leve alguns dos que não o conhecem a lê-lo e apreciá-lo.

06
Dez13

Etc & tal

Maria do Rosário Pedreira

Quando era universitária e havia Feira do Livro, ia lá quase todos os dias cheirar os Livros do Dia e procurar pérolas esquecidas nos tabuleiros laterais dos pavilhões. Tinha tempo para procurar e comprei nessa altura muitos livros que hoje são raridades e, bem vistas as coisas, me custaram quase nada. Entre esses tesouros, muitos são de formato quadrado, com capa acastanhada, como a dos velhos cartuchos, e conteúdo exemplar. Foram publicados pela & etc, uma editora que celebra este ano o seu 40.o aniversário sob a direcção de Vitor Silva Tavares e se conseguiu manter independente neste novo paradigma que é o da edição industrial. A & etc lançou poetas e publicou textos fundamentais (lembro-me, por exemplo, de Fabulário, de Mário de Carvalho, e da estreia de Margarida Ferra com Curso Intensivo de Jardinagem, só para citar dois exemplos separados no tempo). As regras sempre foram particulares: os livros nunca são reeditados e os autores abdicam dos direitos, a tiragem é idêntica para qualquer título e não se oferecem exemplares à comunicação social. A qualidade impera. Para celebrar os 40 anos da & etc, uma outra editora, a Letra Livre, publica sob a coordenação de Paulo da Costa Domingos o livro & etc – uma editora no subterrâneo, especialmente importante para os que só conhecem a edição a partir do século XXI. Um hino à resistência.

05
Dez13

Portugueses incultos

Maria do Rosário Pedreira

De tanto em tanto tempo, a União Europeia faz um inquérito sobre os hábitos culturais dos cidadãos europeus, e o mais recente Eurobarómetro conclui que os Portugueses estão, com os Romenos e os Búlgaros, entre os que têm menos práticas culturais. Não frequentam bibliotecas públicas, não vão ao teatro nem a museus e, mesmo que de vez em quando não resistam a um concerto da sua banda favorita, muitos nunca assistiram a um espectáculo de dança ou ópera na vida. O cinema, que ainda era a área em que os Portugueses escapavam nos inquéritos anteriores, deixou também de ser frequentado pela maioria dos cidadãos nacionais (em dez meses, houve menos 1,2 milhões de espectadores nas salas), que agora preferem ver filmes na televisão. A televisão, aliás, parece ser o que ocupa 70 e tal por cento da população, enquanto apenas 40 por cento confessam ter lido um livro no último ano. As conclusões do relatório apontam para o facto de a crise obrigar a um decréscimo do consumo de produtos culturais – e é óbvio que, entre alimentar os filhos e ir ao teatro ou ver uma exposição, o português (ou outro qualquer) opta pela subsistência da família; mesmo assim, sabe-se que a culpa está em grande parte numa educação muito deficitária em termos de formação artística e na subsequente apatia nacional pelos valores culturais. Claro que o inquérito não distingue cidade e campo, litoral e interior – e os resultados podiam ser bastante diferentes se o fizesse. É pelo menos uma boa notícia que sejam os mais velhos quem menos lê e mais TV consome, pois assim sempre podemos ter alguma esperança no amanhã. De todo o modo, quando olhamos para os números dos países nórdicos (na Suécia, 90 por cento das pessoas leram pelo menos um livro em 2012), ficamos tristes. Nunca conseguiremos lá chegar.

04
Dez13

O escritor debaixo de olho

Maria do Rosário Pedreira

Com tudo o que se está a passar actualmente em Portugal – escutas telefónicas, apelo à queixinha, dispensa de jornalistas que falam do que as administrações não querem (normalmente por causa de assuntos que nada têm que ver com a qualidade da informação) – há já quem refira um regresso velado à censura e comece a ter cuidado com o que diz e a quem o diz. É também natural que alguns escritores, enquanto vão compondo a sua obra, sintam espreitar atrás deles o leitor, e isso influencie o que escrevem, embora outros garantam que não. Em todo o caso, esse leitor não é exactamente um espião e nada pode contra o texto. Há, porém, outro tipo de espionagem menos simpática – e um estudo realizado pelo PEN nos EUA revela que, por exemplo, cerca de 85 por cento dos escritores norte-americanos se sentem sob vigilância e acham que isso afecta a liberdade com que escrevem: evitam abordar determinados assuntos, fazer pesquisa na Net sobre outros e, pior do que isso, trocar ideias com colegas estrangeiros. Os que mais temem esta vigilância são os jornalistas e os autores de livros de não-ficção, que precisam de proteger as suas fontes, mas também já muitos romancistas se escusam a escrever sobre certos temas, como o terrorismo ou o fanatismo religioso, a criação do Estado palestino ou a bomba atómica e o Irão. O relatório apresenta números algo impressionantes, sobretudo que 28 por cento dos autores interrogados se recusam a participar em actividades mediáticas, 24 por cento não falam ao telefone sobre questões consideradas sensíveis e 16 por cento desistiram de escrever sobre um tópico específico. Bem, acho que aqui não chegámos a tanto, mas, como diz o povo, o futuro a Deus pertence.

03
Dez13

Ler em Cracóvia

Maria do Rosário Pedreira

A Unesco nomeou a belíssima Cracóvia «Cidade Literária», depois de o ter feito com Norwich e Edimburgo; e, junto à imponente praça do Mercado, foram colocadas as letras da expressão Cracóvia, Cidade da Literatura (em polaco, claro) para que os passantes pudessem divertir-se a com elas construir muitas outras palavras (e parece que algumas foram imediatamente desfeitas por não serem propriamente bonitas). Embora não associemos logo Cracóvia aos livros, a verdade é que ali decorrem anualmente dois festivais literários internacionais (o Festival Milosz e o Festival Conrad), uma feira do livro de grande dimensão e mais uma série de acontecimentos envolvendo escritores de todo o mundo, como Orhan Pamuk, Zadie Smith ou o poeta sírio Adonis, que foram visitas recentes. É também nesta cidade, e não na capital, que fica o Instituto do Livro da Polónia e dezenas de outros locais – igrejas, sinagogas, teatros, museus e cafés – que, durante todo o ano, albergam tertúlias, encontros de poetas, leituras e performances relacionadas com a literatura. Viveram ali os dois prémios Nobel que a Polónia recebeu, Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska, tendo esta última residido na que é hoje a Casa do Escritor, que foi inicialmente um refúgio para autores desalojados na sequência da destruição de Varsóvia pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Se Cracóvia já devia ser visitada antes, agora ainda apetece mais lá ir. E quem sabe um dia a Unesco não se lembra também de premiar uma cidade portuguesa com esta distinção.

02
Dez13

O que ando a ler

Maria do Rosário Pedreira

Infelizmente, este último mês foi de muito trabalho burocrático, de planos e orçamentos, e não li tanta coisa como planeava, especialmente fora da editora, que é quando ler não é obrigação. Mas quero chamar a atenção para um romance de um ainda jovem autor, Bruno Vieira Amaral, que estou a terminar por estes dias. Chama-se As Primeiras Coisas e tem a particularidade de construir um universo bastante original, o Bairro Amélia, conglomerado de habitações precárias na margem sul onde vivem (não tão harmoniosamente como seria desejável) ciganos, retornados, traficantes de droga, abortadeiras, aspirantes a grandes craques de futebol, assassinos, velhinhas, testemunhas de Jeová e muita outra gente. O narrador (cujo nome sabemos a páginas tantas, quando uma personagem o interpela, ser Bruno, como o autor) regressa ao Bairro Amélia ao fim de uns quantos anos de afastamento, por causa do divórcio e da perda do emprego, e instala-se em casa da mãe. E, embora não pareça reconhecer nesses primeiros dias muito do seu passado, arranjará maneira de, com a ajuda de um dos seus contemporâneos que nunca dali saiu, recuperar um catálogo de figuras mortas e vivas que fizeram a história do Bairro Amélia ao longo de anos. Mas, se ao princípio tememos ter apenas uma lista de personagens pela frente – descritas cada uma por sua vez em ficha individual –, a verdade é que o autor sabe cruzar as suas vidas como ninguém, e às vezes apenas através de pormenores aparentemente insignificantes, oferecendo-nos uma panóplia inteligente de vítimas e bandidos, todos sem excepção amaldiçoados pelo «enguiço» de lhes ter calhado morar no Bairro Amélia. O narrador e a sua família não são, de resto, excepção – e muito haveria a dizer sobre esta matéria, mas é preciso ler o livro. De salientar, é também a capacidade de Bruno Vieira Amaral para descrever ambientes e repescar marcas e objectos que, não sendo do seu tempo, integra com enorme sabedoria nos seus cenários.

02
Dez13

Pensar antes de agir

Maria do Rosário Pedreira

Ao longo da minha vida profissional, pude acompanhar algumas polémicas entre intelectuais, fosse através de relatos em livros que li ou editei – de António José Saraiva, por exemplo, ou na reedição de Rumor Branco, de Almeida Faria –, fosse assistindo, mais ou menos em directo, à zanga entre figurões em cartas duras e azedas publicadas nos jornais. Algumas dessas polémicas eram, de resto, notáveis na sua qualidade literária e pensante e dignas de grandes cabeças, mesmo que nem sempre concordássemos com a matéria em discussão. Creio que um autor que é vítima de uma crítica desonesta ou falsa deve responder ao autor do texto. Uma vez, quando eu escrevia livros juvenis, saiu uma recensão a um livro meu na qual se dizia que as personagens eram demasiado bem-falantes para a idade em certas passagens, oferecendo um excerto como exemplo; só que, por acaso, nesse excerto as personagens estavam a ler, e não a falar… Escrevi uma carta ao jornal e a coisa esclareceu-se. Desde então nunca mais respondi a críticos, embora de vez em quando me apetecesse defender os meus autores de alguns textos não muito bem-intencionados sobre obras suas e, sobretudo, quando se percebe que o crítico não os leu, só folheou (como num caso em que o romance tinha três personagens e o recenseador mencionava apenas duas). Recentemente, pareceu-me, mesmo assim, um bocado insólito que um poeta se tenha insurgido contra um crítico que elogiava a sua obra num jornal. Estava furioso com o facto de metade do texto serem citações de poemas do livro e, em blogue pessoal, mandava o crítico meter as quatro estrelas que lhe atribuíra num certo sítio (acentuando, ainda por cima, o U). Com razão ou sem ela, os termos em que se queixou mancharam a excelência da sua poesia – e o crítico respondeu com luva branca e saiu a ganhar. Mais valia o poeta ter pensado antes de agir, digo eu. Nas velhas polémicas, mesmo com verrina e sangue, tenho ideia de que havia (mais) elegância.

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