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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

31
Jul15

O repouso da guerreira

Maria do Rosário Pedreira

Antes de partir para férias (o blogue ficará interrompido até Setembro, lamento, porque esta guerreira também precisa de repouso), sugiro que leiam bons livros durante o Verão e despeço-me com uma sugestão, pois também eu a recebi de uma leitora que prezo. Trata-se de Os Anjos Morrem das Nossas Feridas, de Yasmina Khadra (um argelino que escolheu um pseudónimo feminino e cuja obra, muito premiada, está traduzida em mais de 40 países), romance belíssimo que conta a história de um rapaz muçulmano muito pobre na Argélia dos anos 1920 e 1930 (antes da independência, portanto) e que se inicia, curiosamente, com a sua condenação à morte em 1937 para nos trazer, como esse filme acelerado do passado que se diz chegar a todos na hora de sucumbirem, o relato da sua vida desde pequeno: a miséria terrível nas ruas fétidas, as amizades nem sempre bem escolhidas, os trabalhos duros de sobrevivência, as paixões frustradas e a sua opção de um dia, por causa de um desgosto de amor, se tornar boxeur – e uma vida de socos dados e recebidos não pode, claro, acabar bem. Retrato de época notável, fundo político, escrita realmente apaixonante, enredo e personagens de grande densidade, este é um livro de um autor a reter e a repetir, neste ou noutro Verão qualquer. Boas férias a todos. Em Setembro, cá estarei para fazermos juntos o ponto da situação.

30
Jul15

Autor?

Maria do Rosário Pedreira

De vez em quando, pergunto a algumas pessoas de fora deste meio, sobretudo se forem mais jovens, o que andam a ler. E, sim, respondem, mas resumindo o enredo e abordando os temas tratados, raramente indicando o título (que esquecem com uma facilidade surpreendente) e ainda mais raramente nomeando o autor (que nem chegaram a fixar). É para mim muito estranho, confesso, esta atitude «desprendida», porque, quando comecei realmente a entusiasmar-me com a leitura e descobria um autor ou uma autora que me caía no goto, queria ler absolutamente toda a sua obra e, a menos que me desiludisse pelo caminho, não descansava enquanto o não fizesse. Ainda hoje sou capaz de referir todos os títulos que li de determinados autores amados – e até os que não cheguei a ler e estão na minha cabeça como uma espécie de culpa que não se foi com o tempo. Os editores franceses são ainda dos poucos, no mundo inteiro, que respeitam a figura do autor; não raro, sobre as capas muito simples, claras e lisas, apenas com letras, colocam umas cintas largas com a fotografia (mesmo que se trate de alguém feio ou pouco atraente) e o nome do autor em maiúsculas, para que, entrando numa livraria, os leitores possam identificar sem trabalho que já saiu mais um livro do seu escritor favorito. Mas não conheço mais ninguém que o faça e talvez seja, afinal, pura perda de tempo e energia: muitas pessoas já não querem simplesmente saber quem escreve o que andam a ler.

29
Jul15

Lá e cá

Maria do Rosário Pedreira

Chegámos àquela altura do ano muito tola em que os jornais e revistas se multiplicam em listas de livros para o Verão, para as férias, para a praia, etc., como se o bom tempo ou um areal sugerisse um certo tipo de livro, e não outro. Enfim, faz-se em todo o mundo e não há como evitá-lo, mas, na verdade, há quem torne o artigo mais interessante, como o Guardian (mas o Guardian é habitualmente um jornal interessante), que resolve a coisa perguntando a autores conhecidos, como Ian McEwan, William Boyd, Antonia Byatt ou Chimamanda Ngozi Adichie (no Reino Unido são mesmo muito conhecidos) os livros que vão levar para ler nas férias. Na verdade, eu gostaria muito de saber o que alguns dos nossos escritores mais destacados vão ler nas férias, até porque isso pode dar pistas sobre o que andam a escrever e fornecer ideias para mim própria; mas tenho a suspeita de que, ao contrário dos britânicos e anglófonos (Chimamanda é nigeriana), que lêem livros acabadinhos de sair e de escritores jovens e menos conhecidos, os portugueses se apressariam a citar clássicos intocáveis ou livros de confrades bem estabelecidos. Pelo menos, é o que acontece quando perguntam a um escritor português numa entrevista o que anda a ler – e raramente é uma coisa recente. Porque será tudo tão diferente cá e lá?

28
Jul15

Trabalhos de férias

Maria do Rosário Pedreira

Supostamente, não deveríamos trabalhar durante as férias (eu quase nunca me escapo), mas é costume os professores marcarem os antipáticos «deveres» aos alunos, logo de pequeninos, no último dia de aulas, mesmo que no ano seguinte não estejam nessa escola para os corrigir e avaliar. Em todo o caso, leio por aí (já não me lembro aonde fui buscar isto, talvez ao Facebook) que um professor primário espanhol não fugiu à regra, distribuindo uma folhinha de tarefas a cada aluno, mas tornou-se a excepção justamente pelo que encomendou (e recomendou) às crianças, sem esquecer também umas achegas aos pais. Porque não vale a pena reproduzir ou parafrasear o dito professor, deixo-vos o link dos TPC em causa, comentando apenas – por razões que todos os Extraordinários certamente compreenderão – que o homem é cá dos nossos, já que a sua primeira recomendação é a leitura.

 

http://historiascomvalor.com/professor-surpreende-todos-os-pais-com-estes-trabalhos-de-casa-para-as-ferias-de-verao/

 

 

27
Jul15

Glosar e copiar

Maria do Rosário Pedreira

Muitos autores de todo o mundo, especialmente poetas, gostam de glosar textos dos seus antecessores. Gastão Cruz, um poeta muitas vezes premiado em Portugal, tem alguns livros em que, por exemplo, dialoga com poetas clássicos, como Sá de Miranda, usando versos de outros em itálico nos seus textos. É mesmo assim – e não se trata de roubo, antes de uma homenagem. Ora, um escritor argentino de 38 anos, Pablo Katchadjian, resolveu criar um projecto em que partia de três obras literárias publicadas e, conservando-as como núcleo, trabalhava à volta delas, acrescentando-as. E, entre outras, pegou n’O Aleph, de Jorge Luis Borges, e toca de criar o seu «Aleph Engordado», acrescentando 5600 palavras de sua autoria ao conto de Borges, reproduzido de fio a pavio. Ora com quem te foste meter… María Kodama, a viúva do escritor, achou isto um completo abuso e acusou-o nada mais nada menos de plagiar a obra do grande Borges (que, de facto, estava no meio da sua, e intocada), entrando com um processo na justiça. E, surpresa, o Tribunal deu razão a María Kodama e condenou o pobre Pablito a pagar uma quantia exorbitante… Já não se pode glosar...

24
Jul15

Turistas de livrarias

Maria do Rosário Pedreira

Há dois meses fui fazer o lançamento do romance No Dia em que o Sol se Apagou, de Nuno Gomes Garcia, à Livraria Lello, na cidade do Porto; e, se a sessão não se tivesse desenrolado no primeiro andar, teria sido simplesmente impossível ouvir as palavras do apresentador, tantos eram os turistas que entravam e saíam do lugar e as exclamações entusiastas que proferiam ao mirá-lo. A Lello vem referida em todos os guias da Invicta como uma das atracções da cidade – e vale muito a pena visitá-la, mesmo a 3 euros – mas há outras que também estão nos roteiros turísticos de Portugal por razões diferentes; uma delas, conhecida como a «Livraria do Simão», nas Escadinhas de S. Cristóvão, ali à Rua da Madalena, em Lisboa, é, tanto quanto li, descrita como «a mais pequena livraria do mundo» e isso parece atrair para lá os turistas, a quem alguém diz – verdade ou não – que até está no Guinness Book! E eis que, diante disso, todos sacam da máquina fotográfica e do telemóvel para fazerem umas chapas que estão, afinal, entre as mais disparadas de Lisboa. O livreiro (Simão, claro) diz que, sem saber, criou «um monstro maior do que ele» - e é curioso utilizar a palavra «monstro», tratando-se, afinal, de uma livraria minúscula, quase claustrofóbica, com livros do lado de fora, pois já não cabem mais lá dentro. No entanto, foi nestas Escadinhas de S. Cristóvão que Manoel de Oliveira rodou A Caixa, por isso o espaço é ainda mais especial. Turistas à parte, se conseguir romper por entre a multidão, é de lá dar um salto e uma espiadela!

23
Jul15

Pela nossa saúde

Maria do Rosário Pedreira

Recentemente, foi publicado um estudo (link abaixo), capitaneado por um professor da Universidade de Chicago, que revela o quanto a nossa saúde pode melhorar se vivermos numa zona onde existam árvores, muitas árvores. A amostra era muito mais do que uma simples amostra, incluía mais de meio milhão de árvores na cidade de Toronto e os registos de saúde de cerca de 30.000 habitantes, concluindo os estudiosos que este cenário natural contribui também para muitas vantagens cognitivas e psicológicas (o oxigénio tem destas coisas) e que um aumento de dez árvores por quarteirão, por exemplo, pode aumentar cerca de sete anos a nossa vida. Sempre achei que Lisboa era muito carente de parques e jardins, sobretudo em comparação com outras cidades europeias cheias de espaços verdes e de alamedas. E, ironicamente, vivo rodeada de árvores, se pensar que os não sei quantos mil livros que temos em casa são oriundos de muitas, muitas árvores. O problema é que esses, com o pó, nos deixam respirar cada vez pior…

 

http://www.nature.com/articles/srep11610

22
Jul15

O eterno desacordo

Maria do Rosário Pedreira

Pois é, a discussão sobre o Novo Acordo Ortográfico (NAO) está para durar – e isto mesmo se infere da declaração do vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o juiz Sebastião Póvoas, sobre a matéria, ao dizer que a resolução do Conselho de Ministros que obrigou as escolas e todos os organismos do Estado, incluindo os Tribunais, a aplicarem o NAO é inconstitucional «a título orgânico», violou «os princípios da separação de poderes» e, entre outras coisas, não respeitou a «equiordenação entre os órgãos de soberania». Diz, aliás, que o NAO nem sequer se encontra verdadeiramente em vigor, porque não foi ratificado por todos os Estados que o subscreveram (Angola e Moçambique, por exemplo), não estando, por isso, em vigor «na ordem jurídica internacional». E acrescenta que (transcrevo do jornal Público) «coloca em causa princípios e direitos consagrados na Constituição da República, como o “princípio da identidade nacional e cultural”, o “direito à Língua Portuguesa” e o “princípio da independência nacional devido às remissões para usos e costumes de outros países”». E, se um juiz do Supremo o diz, quem sou eu para o contradizer?

21
Jul15

Paris inesquecível

Maria do Rosário Pedreira

Há uma canção que, quando a ouço, esteja onde estiver, pára tudo – e podem chamar-me pirosa, romântica ou lamechas, que não me importo. Chama-se La Bohème, gosto dela pela voz de Aznavour, e conta a história de um grupo de jovens artistas em Paris, esfomeados mas cheios de ideias, de convencimento e de paixão. Vistas bem as coisas, trata-se de uma canção que podia ter sido escrita (se ele estivesse para isso) pelo mesmo Hemingway que escreveu Paris É Uma Festa, um maravilhoso livro de memórias sobre a Paris onde viveu nos anos 1920, a começar a sua carreira como escritor, depois de ter servido na Primeira Guerra Mundial como condutor de ambulâncias (o que é descrito em O Adeus às Armas, mas ainda aparecem muitos ex-combatentes nestas páginas). A obra só foi publicada nos anos 1950, mas as recordações de Ernest, recém-casado e apaixonado pela escrita (apesar da fome e da falta de recursos para viver dela), permaneceram como se tivesse regressado da Cidade-Luz na véspera de as passar ao papel. E é maravilhoso saber dos seus encontros com Ezra Pound (a quem ensinou um pouco de boxe), James Joyce, Gertrude Stein (que surpreendeu num momento delicado) ou mesmo Ford Maddox Ford (o inglês que achava os americanos bastante grosseiros). Nunca tinha lido este Hemingway cheio de álcool, cafés e bares e quase o apreciei mais do que os seus romances, talvez por me trazer tantos escritores que li e estudei como pessoas, esquivas ou gentis. Não percam Paris É Uma Festa por nada deste mundo – e, se gostarem, entenderão ainda melhor o romantismo de La Bohème.

20
Jul15

A arte e a vida

Maria do Rosário Pedreira

A Fundação Calouste Gulbenkian tem um programa de Desenvolvimento Humano, no qual se insere o Partis – Práticas Artísticas para a Inclusão Social, que visa ocupar através da arte pessoas normalmente marginalizadas e integrá-las socialmente. Ao que diz a responsável pelo programa, está provado «que a arte tem mesmo um efeito de causalidade na alteração de comportamentos», e daí que um certo tipo de pessoas – desde crianças exageradamente irrequietas até jovens institucionalizados – beneficie claramente da integração em projectos de índole artística, sejam teatro, música, cinema, sejam fotografia, pintura e até o circo. Para isso, a Fundação aplica anualmente gordas verbas que entrega a entidades culturais ou instituições sociais que, assim, se tornam parceiras do projecto, exigindo -lhes que se ocupem não de simples actividades de tempos livres, mas de programas de excelência que sejam acompanhados ao longo do tempo e ajudem de facto a integrar os desintegrados. Uma bela ideia que se materializa anualmente em espectáculos, filmes e exposições nos palcos e galerias da Fundação, onde os improváveis artistas mostram, afinal, o que aprenderam e o bem que isso lhes fez. Este ano calhou a vez, entre outros, a crianças de bairros problemáticos de Loures e a jovens internados em centros do Ministério da Justiça. Pode ser que um dia também a literatura seja usada no Partis.

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