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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

30
Nov15

No lugar certo

Maria do Rosário Pedreira

Este é um blogue que fala sobretudo de livros e edição, bem sei, e os seus leitores regulares são quase todos amantes de livros; mas, de vez em quando, gosto de me desviar desses assuntos por boas razões – e esta, creio, é uma delas. Muitos já devem ter conhecimento da campanha levada a cabo pelo Museu Nacional de Arte Antiga para a aquisição de um quadro belíssimo do pintor Domingos Sequeira, A Adoração dos Magos. A oportunidade de o acrescentar ao acervo do museu (que já possui os estudos para esse mesmo quadro e o cartão final) num tempo em que, infelizmente, não há dinheiro nem para mandar cantar um cego levou o director a convidar todos os portugueses a contribuírem com o que puderem, tornando-se verdadeiros mecenas de um dia para o outro. A iniciativa, muito aplaudida, de resto, pelos media e os artistas, teve resultados muito bons na primeira semana – em que imensas pessoas foram escolher um bocadinho desta tela magnífica para oferecer ao museu. Mas o museu precisa ainda de mais contributos e o facto de poderem ser pequeninos faz-me agora usar este blogue para difundir a campanha. Vamos pôr o Sequeira no lugar certo? Veja o link abaixo e ajude.

http://sequeira.publico.pt/

27
Nov15

Vocabulário

Maria do Rosário Pedreira

Diz quem sabe que a geração que já nasceu com toda a tecnologia à disposição (e que não dispensa computador, telemóvel e, quando possível, também tablet, em que assistem a séries e filmes inteirinhos) tem menos vocabulário do que aquela que a precedeu. Sinto, na minha profissão, que de facto muitas palavras e expressões que eu ainda uso regularmente não constam quase nunca dos livros que me mandam para apreciação, embora também me surjam outras novas que não existiam quando eu era jovem (muitas delas aportuguesamentos de vocábulos ingleses, claro). E um dia destes uma colega minha que tem um filho de 15 anos no 11.º ano contou-me uma estranha história. Num teste de Filosofia, quase todos os alunos da turma erraram numa determinada resposta. E porquê? (Se pensam que isto tem que ver com filosofia, desenganem-se.) Pois bem, simplesmente porque nenhum deles sabia que a palavra «hábito» podia designar, além de costume ou prática frequente – o que era um dado adquirido –, a veste dos monges ou das freiras (como na conhecida frase «o hábito não faz o monge»), razão pela qual não conseguiram sequer perceber a pergunta. Olhem, os religiosos que rezem pela pequenada, que eu não sei onde isto vai parar...

26
Nov15

A arca do tesouro

Maria do Rosário Pedreira

A correspondência (no sentido de troca de cartas entre pessoas) deixou simplesmente de existir; todos nós trocamos e-mails quando a coisa exige mais explicações e SMS terrivelmente curtas quando queremos dar apenas um recadinho. No entanto, a correspondência ajudou muito ao estudo dos hábitos desta ou daquela época e geografia; e, na Holanda, encontrou-se recentemente uma arca carregadinha de cartas (mais de 2500) que podem contribuir com dados muito interessantes para o estudo da vida no país durante o século XVII. Parece que as cartas, muitas das quais estavam seladas e nunca tinham sido abertas, foram arrecadadas por um chefe dos Correios; na altura, era costume pagar a franquia quem recebia a carta, e não quem a mandava; e havia, pois claro, quem não quisesse pagar, ou não quisesse receber a carta, como o homem que morria de medo de que ela lhe trouxesse a notícia de que estava para ser pai (e tinha razão). E, assim, durante séculos, toda a correspondência que não chegou ao destino ficou guardada na arca, até que nos nossos dias a arca foi descoberta... e aberta! Agora, os académicos de cinco universidades espalhadas pelo mundo estão a deliciar-se com a leitura de centenas de missivas de aristocratas, espiões, actores, músicos, editores, mercadores e até gente do campo praticamente analfabeta. Uma arca do tesouro, sem dúvida.

25
Nov15

Aprender até morrer

Maria do Rosário Pedreira

Tendemos a associar estudo a obrigação e chatice, sobretudo na adolescência, durante a qual parece sempre que temos muita coisa mais interessante em que aproveitar o tempo. E, porém, um estudo recente realizado pela OCDE sobre as vantagens sociais da educação vem agora confirmar que são mais felizes as pessoas que estudam, até porque podem esperar mais da vida. «A educação ajuda as pessoas a desenvolver capacidades, melhorar a sua condição social e ter acesso a redes que podem ajudá-las a fazer mais conquistas sociais», dizem os autores da pesquisa, que acrescentam ser, em média, o grau de felicidade de quem faz o ensino universitário 18% superior ao de quem fica pelo ensino médio. Mas, além disto, revelam que quem estuda mais tem também sérias hipóteses de viver mais tempo, apresentando como exemplo um homem de 30 anos que viverá, em princípio, mais 51 anos se tiver uma formação superior, mas apenas mais 43 se tiver ficado pelo ensino médio (parece que a diferença para as mulheres não é tão acentuada, mas, ainda assim, há uns três anitos a mais de vida para quem andou na faculdade). Caso para dizer: aprender até morrer...

24
Nov15

Levar à letra

Maria do Rosário Pedreira

Por vezes afligem-me algumas pessoas que têm pouca elasticidade mental, não entendem uma metáfora ou um eufemismo e levam tudo à letra. Mas nem sempre a atitude de ser literal é defeito ou falta de inteligência – e a verdade é que se pode inclusivamente construir um objecto artístico bem interessante levando as palavras à letra. Que o diga, por exemplo, um criativo fotógrafo francês chamado Janol Apin, que resolveu pegar no nome de certas estações de metropolitano de Paris para compor imagens hilariantes, tentando fazer com que o cenário das fotografias correspondesse literalmente às palavras. Para achar graça, é necessário saber um pouco de francês, mas estou convencida de que os leitores deste blogue não encontrarão, à partida, grandes dificuldades. Em todo o caso, porque não posso aqui colocar todas as fotografias, adianto duas ou três composições: na estação Gare du Nord está na plataforma um pinguim e um esquimó; na de Porte Maillot, Apin ateve-se ao verbo porter (trazer, usar) e fotografou alguns jovens em maillot; e, na estação Rome, um centurião de coroa de louros olha o comboio que está a chegar. Abaixo, estão outras destas formas adoráveis de levar tudo à letra. Divirtam-se.

JanolApin-MaisonBlanche.jpg

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59c352fc5a11940d83614d69a0f198db.jpgJanol-Apin-Photograpy-Paris-Metro-Invalides.jpg

Metropolisson-Janol-Apin-Metro-Champ-de-Mars-.jpg

 

23
Nov15

Propriedade da língua

Maria do Rosário Pedreira

Disse-vos recentemente que fui convidada para falar num congresso dedicado às artes da língua portuguesa pela Fundação Calouste Gulbenkian em Paris. A iniciativa teve um saldo muito positivo, pois pude ouvir intervenções extremamente interessantes por oradores de luxo em áreas como o teatro, o cinema ou a dança, em que sei menos e, por isso, aprendo mais (mas as da literatura também foram muito boas). Soube igualmente uma coisa curiosa nesse congresso, de que, de resto, já me podia ter dado conta: que muitas vezes, ao publicarem a obra de um autor brasileiro, os editores franceses escrevem «traduit du brésilien», e não «du portugais», como se de facto falássemos línguas diferentes cá e lá ou houvesse, pelo menos, donos diferentes da mesma língua. A este propósito contou Flora Gomes, o cineasta guineense, uma história deliciosa. Os guineenses declaram que o crioulo foi inventado na Guiné, e os cabo-verdianos afirmam que são eles os donos da língua. Ora, para evitar estes puxões para cada lado, alguém resolveu contrapor: nem num lado, nem noutro, mas numa piroga no meio do mar.

20
Nov15

Um, três, cinco

Maria do Rosário Pedreira

Sou pouco tecnológica e fico triste quando vejo dois namorados a jantarem juntos num restaurante sem trocarem palavra e sem conseguirem desviar os olhos dos respectivos telemóveis. Tiram fotografias ao que comem, que logo põem no Facebook, e escrevem SMS a amigos entre garfadas. Quando marcam um encontro, o primeiro a chegar raramente consegue esperar uns minutinhos sem enviar ao outro uma mensagem a avisar que já lá está, se é que não faz imediatamente um telefonema, como se não conseguisse aguentar ficar sozinho aquele lapso de tempo (mas, quando o outro chega, mal lhe fala). Desde que os aparelhos se tornaram não só úteis nos momentos certos, mas imprescindíveis a toda a hora, as pessoas deixaram-se escravizar por eles. Mas há quem pense que essa dependência é nociva e tenha arranjado uma alternativa. Numa estação em Grenoble, para os que ficam à espera há máquinas que imprimem pequenos contos para quem se quiser entreter até vir o seu comboio. O passageiro pode, inclusivamente, escolher entre histórias de um, três ou cinco minutos – e o conto é «dispensado» pela máquina em papel de recibo, próprio para ser deitado fora depois de terminada a leitura. Uma ideia que era bom que pegasse em mais sítios, aumentando a instrução das pessoas e distraindo-as por uns instantes dos malfadados telemóveis.

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19
Nov15

Lixo artístico

Maria do Rosário Pedreira

Vasco Pulido Valente disse uma vez numa entrevista que adorava ler trash (lixo) – e chamava «lixo» a obras menores, mas decerto bem menos poluentes e fedorentas do que muitas que hoje encontramos publicadas e à venda. As artes não estão isentas de lixo – e o facto de o lixo ter começado a ser difundido junto com a arte faz com que muitos de nós tenhamos, em áreas que conhecemos pior, grandes dificuldades em separar o que é moderno, original e ousado do que é simplesmente – isso mesmo – lixo (que ainda não está na lixeira, mas para lá caminha). Houve, aliás, recentemente um bom exemplo disso. Num museu do Norte da Itália, expunha-se numa sala uma instalação da dupla de artistas plásticos Goldschmied & Chiari, que, segundo li, representava nada mais, nada menos do que o «hedonismo e a corrupção política vividas na década de 80». A obra de arte, intitulada Onde Vamos Dançar Esta Noite?, era composta de duas telas, beatas de cigarro, garrafas de champanhe vazias e papelinhos de Carnaval (vulgo confetti); e, por isso, a funcionária da limpeza, quando chegou ao museu de manhã cedo, calculou que tivesse ali havido festança na noite anterior e apressou-se a limpar… A sala ficou num brinquinho, mas a instalação foi parar a uma lixeira, dizendo talvez alguns que era onde merecia estar. Deixo-vos as imagens do antes e depois, para se divertirem.

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18
Nov15

Exponenciar

Maria do Rosário Pedreira

Ainda ontem vos falava de uma livraria francesa e da esplanada e serviço de cafetaria que montou para potenciar as vendas de livros. Pois não é só lá fora que isto acontece, e a Livraria Lello – a mais bonita do mundo, ou uma das mais bonitas, pelo menos – tinha, segundo vos contei aqui no blogue, tomado a decisão de cobrar uma entrada no valor de três euros, quer para conter as hordas de turistas que não param de lá entrar (mais de mil por dia), quer para facturar (até porque, no futuro, terá de custear obras de restauro, que essas visitas contínuas acabam por provocar muitos danos num espaço como aquele). O bilhete de três euros foi, efectivamente, instituído há uns três meses – e muito criticado também, mas os proprietários defenderam-se bem, dizendo que, se os visitantes comprassem um livro durante a visita, o valor da entrada seria descontado no preço do livro. E agora leio que as vendas da Lello aumentaram, para ser mais concreta, triplicaram, em três meses apenas. Se isso significar que há mais gente a ler livros em virtude de uma simples obrigação de pagar para ver a livraria, então aplica-se aqui o ditado popular de que «há males que vêm por bem».

17
Nov15

Comes & Bebes

Maria do Rosário Pedreira

Quando uma loja do meu bairro fecha – e outra abre no seu lugar –, quase nunca se aguenta muito tempo, excepto, claro, se for um desses sítios onde se pode trincar qualquer coisa e beber café. As pessoas não abdicam da sua bica, são gulosas e gostam de um bolinho e, enfim, têm de almoçar para aguentar ainda algumas horas de trabalho. Uma das mais icónicas livrarias do mundo – a Shakespeare & Company, em Paris – um lugar que foi poiso de Henry Miller e Allen Ginsberg, entre outros – resolveu, pois, criar uma bela esplanada à sua porta, para que os compradores de livros possam sentar-se a tomar o pulso às obras enquanto comem e bebem. O menu é um encontro de culturas – inglesa, francesa, norte-americana –, com vários chás, pâtisserie française e até bagels, sumos feitos na hora, sanduíches diversas e sem glúten, pensando também nos que têm restrições alimentares. Se a livraria da Rive Gauche já atraía turistas de todo o lado pelos seus livros raros, pois agora não se trata apenas de passar por lá, pode ficar-se sentado na esplanada a degustar livros, comes e bebes.

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