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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

23
Dez15

Más notícias

Maria do Rosário Pedreira

Hoje em dia, os jornais em papel tornam-se frequentemente obsoletos; quando, a caminho do emprego, o rádio do carro dispara as notícias da manhã, já muitos dos textos publicados no Público que trago dentro do saco e acabei de comprar no quiosque da esquina estão ultrapassados, sobretudo se dizem respeito a países com grandes diferenças horárias em relação a Portugal. Claro que é sempre possível consultar a versão online e actualizar a informação – e foi, aliás, o que muita gente passou a fazer, razão pela qual cada vez se vendem cada vez menos exemplares dos jornais em papel. Deveria talvez ter-se apostado mais no jornalismo de investigação para o suporte papel – artigos de fundo escritos por pessoas interessantes que toda a gente quisesse ler; mas os tempos actuais têm outra velocidade e, pelo menos durante a semana, não é crível que alguém que trabalhe possa tirar tempo suficiente para dedicar à leitura de um texto desenvolvido sobre certa matéria. O resultado, porém, é triste: depois do anúncio de que o Diário de Notícias vai ter de vender o seu belo edifício na Avenida da Liberdade; depois da notícia de que os jornais Sol e i vão despedir grande parte do seu pessoal, agora vem a notícia de que o Público tem uma política de rescisões amigáveis que prevê cortes sérios no pessoal (repetindo, no fundo, o que já aconteceu há três anos). Um ano que acaba mal para o jornalismo.

 

22
Dez15

Bronco e analfabeto

Maria do Rosário Pedreira

Uma das coisas boas que há na edição independente é a capacidade de fazer coisas que num grupo grande passariam provavelmente despercebidas e não teriam da equipa comercial a atenção necessária. Digo isto a propósito de a Tinta-da-China ir publicar a obra completa de Fernando Assis Pacheco, o jornalista e escritor que morreu à porta de uma livraria (coisa que só lhe fica bem – digo-o sem ironia) e que, além de um poeta notável e mal conhecido, escreveu seguramente divertindo-se muito e contrariando assim a ideia de que os escritores são gente, em geral, muito deprimida. Ainda tive a felicidade de conhecer Assis Pacheco ao vivo nos anos em que dava os meus primeiros passos na edição no mesmo bairro onde ele morava, e sei que não havia televisão em sua casa, pelo que os seus filhos liam bastante. Era um homem culto, o oposto, portanto, do cowboy analfabeto que retrata em Bronco, Angel, primeiro volume da obra completa, saído recentemente para os escaparates; um livro que colige os «fascículos» que escreveu semanalmente para o jornal satírico Bisnau nos anos 1980 com o criativo pseudónimo de William Faulkingway. Humorístico, claro, o folhetim inclui em cada capítulo, à laia de post-scriptum, a suposta resposta a cartas de leitores intrigados com a autoria do folhetim, que não cessavam de avançar hipóteses, todas negadas pelo grande Assis. Não é uma obra-prima, nem pretende sê-lo, mas vale a pena ler a história deste cowboy que nasceu de catorze meses e que apanha que se farta. O prefácio é assinado pelo jornalista Carlos Vaz Marques.

21
Dez15

Livros com receita

Maria do Rosário Pedreira

Teimo em associar este nome – Egas Moniz – a uma imagem da minha infância presente no livro de História da instrução primária: o aio de D. Afonso Henriques de corda ao pescoço com a família, pondo a sua vida à disposição na cidade de Toledo. Mas não é desse homem que falarei hoje, antes do nosso único Prémio Nobel antes de Saramago – o cientista de quem em 1949 certamente todos os portugueses se orgulharam, incluindo o ditador, e que se tornou uma figura amada pela Nação. Pois, ao que leio, Egas Moniz era um crítico feroz do regime e, pouco antes das eleições de 1953, deu uma entrevista ao jornal A República dizendo que a comédia iria repetir-se, ou seja, que ganhariam os mesmos com ou sem eleições, até porque os sectores oposicionistas não tinham sido autorizados a fiscalizar o processo eleitoral. E contou que uma das suas obras, intitulada Vida Sexual e dividida em dois tomos – Fisiologia e Patologia –, fora mandada apreender das livrarias; porém, com a popularidade trazida pelo Nobel e a pedido do editor, que alegou ficar altamente prejudicado se não pudesse vender o livro, parece que a censura tomou uma atitude bastante inovadora: a obra poderia ser vendida, sim, mas só no caso de o seu comprador apresentar ao livreiro uma receita médica! Quase apetece pôr o baraço ao pescoço depois de uma destas…

18
Dez15

Desistir ou perder

Maria do Rosário Pedreira

Há muitos anos, quando era a editora de José Luís Peixoto, um dos seus livros foi vendido a uma editora brasileira muito especial: a Cosac & Naify; faziam livros requintados, com materiais especiais e bom gosto, além de escolherem bem os títulos – nada de baixa extracção. Os seus donos, ao que parece, tinham dinheiro e talvez por isso não se importassem muito de não o ganhar com as suas edições de qualidade; mas chega um ponto em que perder dinheiro com a actividade também se torna impossível – e, ao contrário de outras editoras independentes que acabaram por ser vendidas a grandes grupos, a Cosac & Naify declarou preferir fechar portas a ter de fazer livros menores que dêem lucro. Disse numa entrevista o senhor Cosac que «uma editora deve existir exclusivamente para alimentar um projecto cultural» e que, quando viu o seu projecto ameaçado, achou que chegara o momento de encerrar, podendo, desse modo, «perpetuar um sonho belíssimo do qual tantos participaram e que ajudaram a construir». Pois é. Como dizia um outro editor a respeito do assunto, «o sonho continua, o que acabou foi a realidade». Uma maneira de desistir sem perder.

17
Dez15

Livro ecológico

Maria do Rosário Pedreira

O argumento mais frequente a favor do livro digital e contra o livro em papel é, efectivamente, o facto de este último consumir hectares e hectares de floresta (embora as papeleiras plantem florestas com o propósito exclusivo da produção de papel) e litros e litros de água… É um facto que gostaríamos que assim não fosse, mas… Em todo o caso, um editor independente de livros infantis na Argentina chamado Pequeño Editor teve uma ideia de génio: a de publicar para crianças uma obra ilustrada auto-sustentável , uma espécie de livro-árvore. E como? Pois bem, a receita é uma beleza: o livro, que se chama Mi papá estuve en la selva, não só é impresso com tintas ecológicas em papel reciclado, como traz, incorporadas no papel, sementes de jacarandá – uma árvore linda e em vias de extinção que alegra a Feira do Livro de Lisboa todos os anos e me faz espirrar bastante – que podem e devem ser plantadas depois de lido o livro. Quando as crianças terminam a história, a ideia é devolverem à Natureza o que esta lhes deu, contribuindo assim para o equilíbrio ecológico do Planeta e desenvolvendo nos pequenos leitores uma consciência ambiental. Veja o booktrailer no link abaixo.

 

https://www.youtube.com/watch?v=v07V8yNpaCI

16
Dez15

Inéditos preciosos

Maria do Rosário Pedreira

Uma mãe só pode ter orgulho nos seus rebentos quando eles atingem conquistas importantes e têm fama por bons motivos. O que não terá então sentido Maria Brontë, que conseguiu ter três filhas escritoras entre os seus seis filhos? Bom, na verdade, Maria morreu muito jovem, pelo que não pôde acompanhar o sucesso de obras como Jane Eyre, da filha mais velha, ou o ainda mais retumbante êxito de O Monte dos Vendavais, da segunda. E, porém, uma descoberta recente leva a crer que, apesar de tudo, a sementinha de Charlotte começou a dar frutos muito cedo. A Sociedade Brontë acaba de descobrir dentro de um livro que pertenceu a Mary – The Remains of Henry Kirke White, de Robert Southey – e que foi passando de geração em geração, acumulando anotações, desenhos e marcas de muitos elementos da família, um conto nunca publicado da talentosa rapariguinha, escrito ainda na adolescência (no qual se retrata, de resto, um reverendo mau que seria provavelmente o antagonista do pai Brontë) e ainda um poema inédito. O biógrafo da família diz que só a descoberta do livro já teria sido boa, mas assim o tesouro é muito mais valioso.

15
Dez15

Em coro

Maria do Rosário Pedreira

É provável que os leitores deste blogue achem que estou a puxar demasiado a corda, já que esta é, creio, a terceira vez que falo do romance O Coro dos Defuntos, o mais recente agraciado com o Prémio LeYa. Mas acontece que na capital há muitos leitores que não quero privar hoje de assistirem ao lançamento público na Livraria LeYa na Buchholz, lançamento que se segue ao primeiro, realizado na Figueira da Foz, onde vive o autor. A apresentação desta feita será levada a cabo por Maria Carlos Loureiro, que fez parte do júri do Prémio Fernando Namora que seleccionou como finalista o romance anterior de António Tavares – As Palavras Que Me Deverão Guiar Um Dia – e, além disso, tem a particularidade de ser igualmente uma figueirense. Apareça, pois, mais logo, às 18h30, e certamente não se arrependerá. Se não puder ir, leia este aquiliniano livro sobre Portugal entre 1968 e 1974, que mostra como se vivia numa aldeia do interior quase medieval enquanto o homem pisava a Lua e o Dr. Barnard transplantava um coração humano. Vemo-nos lá. Até logo.

convite_COROdefuntos_LX.JPG

 

14
Dez15

Ups!

Maria do Rosário Pedreira

Não costumo distrair-me com as Horas Extraordinárias, mesmo quando escrevo ou planeio com antecedência; mas hoje, quando cheguei à empresa e fui consultar o blog, o post que cá estava não fazia sentido, pois prendia-se como uma sessão a que eu pensava ir, mas afinal tive de faltar... Tirei-o a correr para não enganar ninguém, mas, como estou cheia de trabalho hoje, quero apenas anunciar que a razão por que não estou onde devia estar a falar com os leitores tem que ver com um outro evento que se realizará mais logo, às 18h30, no Auditório 2 da Gulbenkian: Mário Cláudio irá receber (pela segunda vez!) o Prémio de Romance e Novela da APE-DGLAB pelo seu romance Retrato de Rapaz, um texto delicioso sobre a relação de Leonardo Da Vinci e um seu discípulo sem talento mas cheio de graça. Vá lá fazer-nos companhia! O ministro da Cultura entrega o galardão.

11
Dez15

Escritores de fundo

Maria do Rosário Pedreira

Leio um interessantíssimo artigo no The Atlantic sobre a grande tradição que tem a corrida e o jogging no meio dos escritores, passados e presentes. Jonathan Swift, o autor de As Viagens de Gulliver, por exemplo, era capaz de correr meia milha de duas em duas horas; e a autora de Mulherzinhas confessou no seu diário sentir um prazer tão absoluto em correr que achava ter sido veado ou cavalo noutra reencarnação… Correr dá uma possibilidade única de liberdade e fuga com um propósito definido e, além disso, ajuda a pensar. Joyce Carol Oates alternava a corrida com a escrita quando confrontada com problemas de estrutura da narrativa que tinha em mãos, enquanto Don DeLillo dizia que, depois das longas sessões matinais a escrever, correr o ajudava a sair do mundo ficcional para o real. Segundo o artigo, a acumulação de quilómetros reflecte a acumulação de páginas, e ambas as formas de libertação de energia contribuem para uma sensação de alegria e auto-satisfação. Através da corrida, os escritores aprofundam a sua capacidade de se focar numa única tarefa – seja palavra após palavra, seja quilómetro após quilómetro. Murakami, apesar de ter então já três livros publicados, revelou que só teve a certeza de que conseguia chegar à última linha de um livro quando começou a fazer jogging. Muitos outros escritores inquiridos explicam que é sempre enquanto correm que conseguem resolver impasses nas suas obras.

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