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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

29
Jan16

Cento e dezassete

Maria do Rosário Pedreira

Terry Pratchett, que morreu no ano passado (creio que tinha Alzheimer), foi um ídolo de muitos jovens no Reino Unido e em muitos outros países devido à criação de uma série de livros de ficção científica de grande sucesso – Discworld. Nunca li a série, por não ser uma grande apreciadora do género, mas espreitei um dos volumes que se publicaram numa editora em que trabalhei e recordo a grande tartaruga sobre a qual se deslocava o planeta. Ao que parece, Pratchett tinha uma imaginação prodigiosa que os seus leitores não esqueceram. E recentemente, por ter sido descoberto mais um elemento químico (o 117), a adicionar em breve à Tabela Periódica, os fãs propuseram que o seu nome fosse “Octarina” em homenagem a Pratchett, sendo esta “Octarina” a sombra de Disworld que é apenas vista por feiticeiros e gatos e que é também uma espécie de cor da magia (Colour of Magic é, de resto, o subtítulo de um dos volumes da colecção). Criaram uma petição e esta conseguiu 112.000 assinaturas só em dois dias... Os químicos acharam, aliás, graça; e muitos deles não se opõem à escolha do nome, justificando a sua concordância com o facto de Terry Pratchett ter feito um trabalho incrível para despertar o interesse pela ciência entre os jovens. Uma bela homenagem póstuma.

28
Jan16

David Bowie leitor

Maria do Rosário Pedreira

No dia em que se soube da morte de David Bowie – completamente inesperada, uma vez que acabara de gravar um CD e escondera muito bem o segredo da sua doença, fosse ela qual fosse – os jornais, as redes sociais, o espaço dos nossos ecrãs de computador, enfim, todas as linhas em que pudéssemos pousar os olhos, encheram-se de lamentos, de espanto, de luto, de elogio, parecendo que o mundo parara para dar, e chorar, aquela notícia. Para quem não fosse apreciador do Camaleão, seguramente um fartote – eu, que até fui ouvi-lo ao Estádio de Alvalade nos anos 1990, estava quase a pedir que parassem com aquilo. Porém, no dia seguinte, ainda houve muito Bowie em todo o lado, e um jornal resolveu publicar uma lista dos 100 livros preferidos do músico que, pelos vistos, era um leitor voraz e lia praticamente um livro por dia. Há de tudo (em cem livros, é natural) e os temas são muito variados, fazendo crer que o artista se interessava por distintas áreas do conhecimento e lia todos os géneros – teatro, poesia, literatura de viagens, autobiografias, ficção, ensaio (e livros sobre música, evidentemente, incluindo um de John Cage) . Passando os olhos pelos romances, reparo que Bowie gostava de O Leopardo e de Lolita, de Pela Estrada Fora e de A Laranja Mecânica (faz sentido), de um dos primeiros McEwan (Entre os Lençóis) e de Don DeLillo. Mas a lista é extensa e vale a pena ser apreciada na totalidade. Deixo-vos, pois, o link.

 

http://www.telegraph.co.uk/culture/music/music-news/10347410/David-Bowie-reveals-his-favourite-100-books.html

27
Jan16

O Nobel que nunca foi

Maria do Rosário Pedreira

Há uns anos, pediam aos membros do P.E.N. uma sugestão de um autor português que devesse ser candidato ao Prémio Nobel, e o nome do escritor que colhesse mais «votos» era depois encaminhado para o P.E.N. Internacional que, suponho, teria voto na matéria e poderia propor nomeações. Eu puxei sempre a brasa à minha sardinha (de poeta) e indiquei, enquanto foi viva, Sophia de Mello Breyner e, depois, embora soubesse que provavelmente o recusaria, Herberto. Porém – e apesar de a Academia manter em segredo os finalistas em cada ano –, soube-se recentemente (ao fim de cinquenta anos os ficheiros deixam de ser secretos) que o autor português mais indicado para o Nobel terá sido Miguel Torga. Indicado várias vezes entre 1959 e 1962, parece que chegou à final no ano de 1965 – em que o galardão foi entregue a Mikahil Sholokov –, proposto por um professor universitário de Upsala; nesse ano, a acta da Academia refere outros escritores nomeados, como Yourcenar e Borges, Nabokov e Somerset Maugham, Auden e Moravia (como poderia o nosso homem ganhar, digam-me!). Consta da biografia de Torga uma nova nomeação em 1978 (confirmaremos em 2028 se chegou à final), ano em que comemorava 50 anos de carreira literária. Nunca ganhou, como sabemos, e também não viu ganhar Saramago em 1998 por ter morrido três anos antes com a bela idade de 87 anos (pelo menos, não sofreu de inveja). Mas, nem que seja pela quantidade de vezes em que o seu nome foi ventilado, vale a pena voltarmos aos seus escritos.

26
Jan16

Elizabeth Taylor e os gémeos

Maria do Rosário Pedreira

Quiçá por deformação profissional, sempre que leio romances brasileiros contemporâneos, sinto que ficam aquém dos escritos pelos escritores portugueses da mesma idade e importância. E, porém, apaixonei-me por Do Fundo do Poço Se Vê a Lua, de Joca Reiners Terron, que estará nas livrarias esta semana e toca a mesma questão tratada num filme que está a ter muito boa crítica: A Rapariga Dinamarquesa. Depois da morte da mãe – perseguida e torturada pela ditadura militar –, os gémeos idênticos William e Wilson são criados numa redoma pelo pai, actor e encenador num teatro decadente. As semelhanças entre os irmãos são, porém, apenas físicas: enquanto William é bruto, acomodado e taciturno, Wilson é sensível, carente e obcecado pela figura de Cleópatra desempenhada por Elizabeth Taylor. No dia em que os jovens fazem dezoito anos e podem, finalmente, deixar a casa paterna, uma misteriosa tragédia abate-se, porém, sobre toda a família. Numa trama surpreendente que envolve amnésia, dança do ventre, comércio sexual e assassinatos, William receberá vinte anos mais tarde, da cidade do Cairo, um postal de Wilson. E não precisa de muito para saber que se trata de um pedido de socorro… Com um estilo ao mesmo tempo cómico e violento, poético e digno da melhor pulp-fiction, Do Fundo do Poço Se Vê a Lua é uma história admirável sobre como o amor fraternal resiste ao tempo, às diferenças e à ameaça constante da morte.

 

DO FUNDO DO POÇO K2.jpg

 

25
Jan16

Editora ou autora?

Maria do Rosário Pedreira

Quando me convidam para festivais, congressos sobre a língua portuguesa, debates a propósito de livros e edição, etc., tenho sempre o cuidado de perguntar em que qualidade me querem lá: se como editora, se como autora. Às vezes, querem tudo ao mesmo tempo (dá jeito uma pessoa que veja os dois lados da questão e poupa-se um quarto de hotel, se for o caso), mas, quando a poesia é o cerne da coisa, o mais provável é pedirem-me que leia poemas e fale do acto da criação. Hoje, embora vá estar presente também como poeta, parece que me vão interpelar sobre os jovens autores que publiquei e publico e a minha teimosia em tirar livros das gavetas dos escritores numa tentativa de mostrar ao público nova literatura. A sessão vai acontecer na Livraria Bulhosa do Centro Comercial das Amoreiras, que celebrou recentemente o seu 30.º aniversário e tem um clube de leitura ao qual já foram, ainda por cima, alguns dos autores de quem tenciono falar. A moderação será feita por Olga Marques e a entrada é livre. Por isso, se tiver curiosidade, apareça por lá pelas 18h30.

 cartaz.jpg

 

 

22
Jan16

Bocage

Maria do Rosário Pedreira

Disse-me há uns anos um amigo poeta que visita frequentemente escolas e dá a conhecer aos jovens vários poetas portugueses de todos os tempos que os alunos de agora já não acham graça a Bocage. Achei estranho. Lembro-me de a minha avó nos contar histórias divertidíssimas do senhor Manuel Maria, anedotas e tiradas de génio cheias de humor (algumas bem escatológicas), e de, enquanto aluna, me ter também deliciado com muitos sonetos de Bocage. Um dia destes, reparei que se celebraram em 2015 os 250 anos do nascimento desta figura singular do iluminismo português, na qual, segundo um dos organizadores da campanha Bocage Reconhecido, que se realizou no final do ano passado, quase todo o povo português se revê. Não dei por grande barulho à volta da efeméride (mesmo que o grosso dos festejos possa ter sido em Setúbal, donde Elmano Sadino, o nosso Bocage, era natural). Se calhar, porém, o meu amigo poeta tem razão e, em tempos mais escuros, como os que vivemos, não se valoriza a sátira... Eu cá vou ali ler uns sonetos e volto amanhã. E não é só para ir contra a corrente, mas porque, juro, vale mesmo a pena.

21
Jan16

Inacabados

Maria do Rosário Pedreira

Um dia destes falei aqui de autores que perdem os ficheiros dos livros que estão a escrever. Como se viu pelos comentários, alguns deles conseguem, mesmo assim, reescrevê-los e publicá-los mais tarde, outros não. Hoje falo de livros que os autores não conseguiram terminar, a maior parte deles por razões óbvias – ou seja, a morte atravessou-se-lhes no caminho. Mas, se pensavam que estes livros nunca seriam publicados (por não terem fim), pois digo-vos que muitos o foram, ou tal como estavam, ou – o que é mais estranho – terminados (ou editados) por outros. De qualquer modo, há obras-primas mesmo entre romances inacabados, como Sinais de Fogo, de Jorge de Sena, que é sempre citado como o melhor que o autor escreveu e um dos melhores da língua portuguesa (imaginem só se o tivesse acabado). Socorrendo-me de um artigo do Observador, avanço mais uns quantos: Amerika e O Desaparecido, ambos de Frank Kafka; Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas, de José Saramago; Answered Prayers, de Truman Capote; Billy Bud, o Marinheiro, de Melville; Bouvard e Pécuchet, de Flaubert (não sabia que não tinha sido terminado, e não dei por isso); O Primeiro Homem, de Camus – e muitos, muitos outros de vários autores como Jane Austen, Charles Dickens ou Scott Fitzgerald. O mais curioso é que, mesmo sem terem sido concluídos, muitos deles são extraordinários, melhores do que muita ficção acabadíssima que há por aí.

20
Jan16

Policial real

Maria do Rosário Pedreira

Eu cá acho que uma história ligada ao desaparecimento de editores e livreiros numa determinada cidade daria um bom policial, mesmo que não consiga dizer assim de repente quem poderia ser o responsável por essa «evaporação» (dependeria da cidade, claro). No entanto, a história não é nenhum enredo de um autor imaginativo , mas um facto infelizmente bem real. Uma editora de Hong Kong – até há pouco tempo um dos lugares mais «livres» e «a salvo» na China – especializou-se na publicação de livros provocadores sobre algumas figuras gradas de Pequim, denunciando, por exemplo, os gastos das elites no poder. E, como numa história policial, os seus donos e funcionários têm vindo a desaparecer de forma misteriosa. O primeiro – co-proprietário da editora – levantou a suspeita de que a sua ausência não fora voluntária ao deixar na mesa da cozinha uma caixinha com os remédios que tomava diariamente, já separados por refeições, e ao comprar nesse dia alimentos perecíveis, o que não faria sentido se fosse de viagem. A suspeita foi confirmada quando, depois dele, sumiram outros três responsáveis da editora em seis dias apenas, qualquer deles supostamente durante uma viagem à China continental. Entretanto, as famílias receberam telefonemas estranhos dos desaparecidos, que lhes explicaram, em termos muito vagos, que estão a ajudar numa investigação em Shenzhen; mas, como um deles falou mandarim em vez de cantonês, o que não é habitual, a mulher percebeu ser um sinal de que havia coisa, sobretudo porque o passe que permitiria ao marido viajar de Hong Kong para Shenzhen ficara lá em casa. Pois bem, em Hong Kong já perceberam o que aconteceu e milhares de pessoas manifestaram-se para pedir a libertação dos editores. Não está de fora a possibilidade de um conflito envolvendo mais países, até porque um dos desaparecidos é cidadão sueco e outro tem passaporte britânico. Veremos o que acontece. Parece de filme.

19
Jan16

Emoções e palavras

Maria do Rosário Pedreira

Leio uma entrevista bastante curiosa com a historiadora cultural Tiffany Watt Smith, autora de uma obra que quero ler: The Book of Human Emotions. Embora haja grandes dissensões a respeito da forma de definir as emoções, há, pelos vistos, também dois pontos consensuais: a de que uma emoção (tédio, raiva, angústia, etc.) é uma coisa puramente individual, mas a de que, por outro lado, as emoções são experimentadas colectivamente, partilhadas com os outros e, além disso, vividas de forma diferente se estivermos em Portugal (onde «saudade» é, segundo muitos, palavra intraduzível) ou na Coreia (onde «han» é um estado que representa tristeza e esperança simultaneamente, sem expressão noutras línguas). Mas os tempos também definem as emoções: no século XVIII ainda se morria de nostalgia (repare que «algia» quer dizer «dor»): as pessoas sentiam tanta saudade de casa que, além da melancolia, tinham febres, não eram capazes de comer e acabavam por definhar e morrer; há cem anos, porém, que nenhuma certidão de óbito regista esta causa de morte, talvez porque viajar (ir e voltar) se tornou muito mais fácil e, com telefone e computador à mão, podemos contactar aqueles que nos fazem falta. Nos dias de hoje, a obsessão com a felicidade, diz Tiffany Watt Smith, é quase a mesma que existia no século XVI com a tristeza que, na Renascença – pasme-se! –, chegou a estar associada ao génio e era talvez por isso procurada por muitos. Diz ainda a historiadora que ter palavras para o que sentimos é meio caminho andado para entendermos e resolvermos certas emoções – e dá o exemplo do jovem termo «homefulness» que quer dizer qualquer coisa como «virar a esquina e saber que se está perto de casa», ou seja, um misto de alívio e sentimento de pertença. Coisas interessantes que é bom saber.

18
Jan16

Anna e os amigos

Maria do Rosário Pedreira

Há muitos anos, publiquei um relato fascinante sobre um encontro que a poetisa Anna Akhmátova teve em Leninegrado com Isaiah Berlin ao longo de uma única noite (entendam, não foi nada de cama) e que mudaria para sempre a vida dos dois (a obra chamava-se O Convidado do Futuro, e escrevera-o Gyorgy Dalos). Estava-se em pleno estalinismo, e as consequências foram terríveis para ambos: o britânico, funcionário dos Negócios Estrangeiros, foi acusado pelo regime soviético de ser um espião, e a poetisa dizia que era bem capaz de ter sido essa conversa entre os dois a começar a Guerra Fria (um exagero bastante interessante, mas lá que ela sofreu na pele, sofreu). Anna dedicou, de resto, alguns poemas a Isaiah, nomeadamente o «Poema sem Herói», e Berlin nunca esqueceu as palavras da belíssima poetisa para quem a vida na URSS se tornara um autêntico pesadelo. Não conhecia este episódio antes de descobrir o livro de Dalos e também ignorava que Anna tivesse tido outra relação muito especial na sua vida, desta feita com o pintor Amedeo Modigliani, que a conhecera em Paris quando ela e marido estavam a gozar ali a sua lua-de-mel. Os desenhos de Modigliani de Anna Akhmátova estão, porém, expostos até finais de Junho em Londres, na Estorick Collection, para quem os possa ir ver. O livro sobre aquela noite mágica e trágica com o britânico já não está, infelizmente, à venda.

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