Leituras visuais
Quando vou a escolas falar sobre livros e leitura com crianças e adolescentes, não costumo apoucar nenhuma forma de arte em benefício da literatura; mas também é verdade que, uma ou outra vez, não resisto a dizer como ler pode, de facto, estimular a imaginação como nenhuma outra actividade. Num filme, a rapariga loira está lá para a vermos, tem a cara daquela actriz precisa que desempenha o seu papel. Num romance, no entanto, cada leitor vê a rapariga loira do texto com um rosto diferente, com características que o seu cérebro desenha e são diferentes das do seu melhor amigo, aquele com quem tem mais afinidades. Claro que, depois da popularidade do cinema, de vez em quando pomos caras de actores e actrizes em determinadas personagens de romances (uma vez, o próprio autor de um livro que publiquei e eu achávamos que Keira Knightley era mesmo a carinha de uma rapariga que entrava na história); mesmo assim, essa coincidência é menos vulgar do que se possa imaginar – e é muito bom termos a liberdade de «refazer» na nossa mente todos os protagonistas dos romances e contos que lemos. Recentemente, soube que Dostoievsky, enquanto escrevia, desenhava (rabiscava, pelo menos) as suas personagens; esses desenhos são, de resto, frequentes nos seus cadernos, nos quais os rascunhos de romances se fazem acompanhar de esboços de homens e mulheres, repetidos em poses diferentes ao longo das páginas. Li que talvez publiquem uma versão de Crime e Castigo com bonecos... Pois eu cá prefiro não ver tais figuras, agora que já fiz na minha cabecinha os retratos dos seus heróis. Tenho a sensação de que iria ficar desiludida, pensar que não correspondem ao que me lembro, exactamente como acho determinado actor mal escolhido para representar uma personagem que apenas conheço do «papel». Deixem-nos visualizar à nossa vontade.