Tiro no pé
Partilho as iniciais com Margarida Rebelo Pinto, mas penso que, fora isso, nada temos em comum, menos ainda a opinião sobre o estado geral do País e as medidas deste Governo. Li há muitos anos o seu primeiro livro (a que alguém que conheço chama, de forma divertida, «Não Faço a Mínima Ideia») e não gostei. Recordo uma cena em que roubavam a carteira a uma personagem e esta não lamentava a perda dos documentos nem do dinheiro, mas apenas os trinta contos em maquilhagem que lá trazia. Alguém que escreve isto num romance é, provavelmente, uma pessoa que pode gastar este dinheiro em maquilhagem e que, por isso, não devia ser chamada à televisão para comentar manifestações contra as medidas de austeridade e os cortes nos ordenados e pensões. Mas foi isso que aconteceu – e, como seria de esperar, MRP (não eu, a outra) fez uma triste figura, dizendo que repudiava esse tipo de manifestação, que toda a gente sofria cortes – ela também – e que devíamos deixar trabalhar à vontade quem nos governa. O vídeo da sua participação num telejornal correu, de resto, as redes sociais e tornou-se viral, até porque temos uma certa tendência para rir dos estúpidos. Porém, não foram as declarações da escritora de romances light que me escandalizaram, uma vez que me bastou ler aquele seu livro (Sei lá era o título correcto) para perceber como pensa a sua cabeça. O que me admirou mesmo foi que MRP não tivesse a mais pequena noção de que estava justamente a repudiar com as suas afirmações muitos dos que compram habitualmente os seus livros e lhe dão de comer. Presumo que alguns desses, depois de a terem ouvido, deixarão de o fazer – e então, sim, talvez ela sinta na própria pele os cortes a que não deu importância...