Armados em bons
Um dia destes, chamou-me a atenção um anúncio de página inteira com um ar pré-natalício publicado num suplemento cultural de um jornal diário. Tratava-se de uma campanha aparentemente a favor das crianças que não têm dinheiro para comprar livros e apelava ao nosso sentido de generosidade, caridade ou dever, propondo-nos que comprássemos um livro para essas crianças e o depositássemos num «livrão» – recipiente donde, em Dezembro, os livros seriam retirados e entregues a crianças de determinada instituição. Assim, à primeira vista, uma ideia louvável, claro; eu até tenho em casa muitos livros infantis repetidos ou dispensáveis que não me importaria de ir pôr no dito livrão – e também não me escusaria a comprar mais um ou dois nesse espírito de missão que se traduz em dar livros a quem quer mas não pode ler. O anúncio era, porém, de uma conhecida cadeia de livrarias portuguesa e, no livrão, afinal só podem colocar-se livrinhos acabados de comprar em qualquer das suas lojas... Sim, leu bem. Um negócio para a respectiva livraria, claro, mas disfarçado de acto beneficente... Sem contar com o custo do anúncio – que não se pode desdenhar em tempos de crise – e, provavelmente, da construção de livrões vários, tudo o mais é lucro limpo e sem osso. Nunca gostei muito dos que se armam em bons...