Os três males
Uma das coisas boas na vida de um editor é conhecer autores inteligentes e interessados que nos ensinam coisas e passam boa informação. Há algum tempo, o Nuno Camarneiro, autor de No Meu Peito não Cabem Pássaros, publicado em Junho, enviou-me um link para o segmento de uma longa entrevista a Gilles Deleuze sobre cultura no qual ele falava de literatura e edição. Antes de mais, foi um consolo saber que um homem como ele acreditava que, apesar de a cultura e a educação estarem a viver um péssimo momento em todo o mundo, quase a baterem no fundo, isso não queria dizer que não fosse possível suceder-lhe um período rico (o Renascimento sucedeu, afinal, à Idade Média). Mas o que mais me fascinou foram os três males que apontou para que as coisas tivessem chegado ao ponto a que chegaram no mundo das letras: 1) Que os jornalistas se tivessem posto a escrever livros (Deleuze dizia que sempre houve escritores jornalistas, claro, mas que muitos dos que hoje publicam livros não são, realmente, escritores). 2) Que, em parte por causa disso, toda a gente achasse que podia escrever um livro (não podia estar mais de acordo: o talento tem de ser a excepção, e não a regra). 3) Que a relação entre o livro e o leitor passou a ser, infelizmente, mediada pelo ponto de venda, que subverte tudo, porque precisa de facturar – e depressa –, devolvendo livros aos editores que ainda não tiveram tempo de se afirmar no mercado e obrigando os editores a produzir um número de novidades muito superior ao razoável e, por isso, de qualidade muitas vezes duvidosa. Muito bem, monsieur.