Descrito pelo duque de Nottetempo, seu contemporâneo, como «um brigão, um arruaceiro», o pintor Caravaggio passou uma curta temporada na Sicília em 1609, aguardando o indulto papal para um crime de sangue que cometera em Roma. Nesse período, pintou uma tela que ficaria conhecida por A Adoração e que esteve no Oratório de S. Lourenço, em Palermo, até ser roubada em 1969, ano em que nasceria uma menina chamada Antonia Rei. É essa mesma Antonia que, em 1992, testemunha um homicídio perpetrado pela máfia numa praça da cidade, onde é interrogada pelo comissário Salvatore Amato, que acaba por contactar alguns dias mais tarde. Mas não é curiosamente sobre o assassínio que lhe quer falar, antes sobre o roubo do famoso quadro... Oscilando entre épocas afastadas no tempo, entre a história fascinante da pintura d’A Adoração e a da investigação de Salvatore Amato num dos mais violentos períodos da acção da máfia, este novo romance de Cristina Drios (finalista do Prémio LeYa com Os Olhos de Tirésias), intitulado Adoração, recorre aos jogos de espelhos que Caravaggio usava nas suas pinturas para atrair ao mesmo vórtice de luz e trevas as vidas de um leque de personagens cativantes, mortas ou vivas, mas todas misteriosamente condenadas ao desencontro. Adorável, em suma.
4 comentários
Miguel Henriques 12.10.2016
Sim, é de facto um livro notável. A dinâmica da narração é realmente de destacar e a intertextualidade é sublime. Um dos narradores que viveu em 1600 tem mesmo que pedir desculpa ao leitor pela referência ao perfumista de Patrick Suskind que ainda não foi criado. Depois motiva-nos para explorar melhor a obra do Caravaggio, um livro que nos altera a rotina, ou seja vale a pena. Já ouvi algumas entrevistas com a autora, e percebi que terá levado a investigação a sério para esta obra, o que neste tipo de obras é muito árduo. Apenas uma nota, para as insónias de um dos narradores que viveu em 1600, não se aplicariam "pachos de mel e eucalipto", pois a árvore australiana só foi descoberta no final do séc. xviii. Com tanta investigação histórica, geográfica, artística e dos costumes , por vezes a botânica pode escapar.
Olá Miguel Henriques, Muito obrigada pelo seu comentário! O meu forte não é, de facto, a botânica, nem, diga-se, os males de insónia... "Pachos de mel e eucalipto"? Ainda se fosse para algum resfriado!... Cristina Drios