As nossas bibliotecas
Uma vez falei com uma senhora a quem tinham assaltado a casa durante umas férias com a ajuda de uma camioneta de mudanças. Limparam tudo – até as gavetas da cozinha (provavelmente para tornar credível a suposta mudança de casa) – mas, curiosamente, deixaram ficar os livros todos; o peso deve ter desmotivado os ladrões, mas não foi só isso, todos sabemos. Muitas vezes me pergunto o que será dos meus livros quando morrer. Mesmo que alguns dos meus sobrinhos gostem de ler (uns são ainda demasiado pequenos para se saber se a leitura os vai realmente apaixonar), gostarão eles de todos os meus livros e, sobretudo, viverão em casas com espaço para os guardar? Grandes leitores e coleccionadores como Pacheco Pereira ou Vasco Graça Moura – e com dinheiro para isso – arrendaram quintas e armazéns para poderem estar perto dos seus livros. O primeiro criou um importante centro de documentação ao serviço de todos, o que garante já uma partilha; mas o segundo deixou, ao morrer, um espólio impressionante (cerca de 40 000 volumes) que não caberá, digo eu, na casa de nenhum dos filhos. Leio que a família pretende disponibilizá-lo, mas não doá-lo, à Faculdade de Letras do Porto. Quererá isto dizer que, apesar de tudo, gostariam de continuar a ser donos desses livros, mas provavelmente não podem tê-los em casa? Que farão um dia à minha desarrumada biblioteca os meus sobrinhos (não tenho filhos), gostando ou não de ficar com ela?