Caderno de memórias
Ainda ontem falava aqui de palavras e é curiosamente também disso que trata um romance que saiu recentemente, da autoria de António Tavares, vice-presidente da Câmara da Figueira da Foz que tem o pelouro da Cultura. O livro, que se intitula As Palavras Que Me Deverão Guiar Um Dia, é como a reprodução de um caderninho comprado na infância, em Moçâmedes, que vai sendo alimentado ao longo do tempo – com palavras, claro, mas também cabelos, fios, nódoas e outras recordações marcantes. Está é, em suma, uma história de crescimento em Angola, onde o autor nasceu, muito ao género de Cinema Paraíso – esse filme sublime – mas com livros; livros que vão parar à mão do protagonista e da sua pseudonamorada (uma rapariga que parece indiferente a tudo, menos aos limões, até descobrir a leitura) por causa de uma carrinha-biblioteca vendida à sucata onde ambos passam a maior parte do dia, lidando também com os despojos das memórias alheias. A aprendizagem dos números com uma fita métrica, o primeiro sexo, a descoberta do corpo, a paixão adolescente por uma actriz de cinema, bem como temas mais latos como a vida num bairro fechado, as perseguições da PIDE, a Guerra Colonial ou a influência da igreja católica no período anterior ao 25 de Abril, compõem um texto belíssimo e inspirador, que não por acaso foi finalista do Prémio LeYa no ano passado. Um caderno para abrir e ler de uma assentada.
P.S. Depois de amanhã, se estiver perto, assista à primeira apresentação do romance, às 18h30, na Assembleia Figueirense, a cargo do professor José Augusto Bernardes.