Paulo Moreiras já confessou gostar tanto de escrever como de cozinhar; e eu acrescentaria que este meu autor também gosta bastante de comer e beber – sem isso não conseguiria, de resto, escrever tão apaixonadamente sobre comida. Mas é verdade que para ele as palavras alimentam tanto como uma boa refeição e a sua paixão por elas levou-o recentemente a uma ambiciosa aventura, a de coligir num volume tudo o que há de interessante para saber sobre pão e vinho: festas, adivinhas, provérbios, lendas, superstições, poemas, pequenas histórias, filmes… e muito mais. Amanhã vamos poder saborear uma vez mais o seu Pão & Vinho – entretanto galardoado com o Prémio Gourmand! – na Figueira da Foz, onde estarei também eu a participar em mais uma 5.ª de Leitura que, excepcionalmente, vai acontecer à sexta. Será às 21h30, na biblioteca da cidade, e crê-se que a audiência já vá jantada, porque as palavras do Paulo Moreiras costumam fazer fome. Se estiver por perto, apareça e de certeza que não se arrependerá!
4 comentários
António Luiz Pacheco 19.02.2015
E assim eram as vindimas... noutro tempo!
Havia ranchos a vindimar! Ouvia-se pelas encostas o cantar e gralhar das mulheres e cachopos que devastavam as vinhas, suadas e tisnadas sob os chapéus de palha, de saias e aventais de riscado, floridas blusas de chita, desparrando e cortando à navalha ou tisoira os cachos, para dentro das cestas de asa de vime, pegajosas do açúcar suado pelas uvas maduras. Homens de ar grave e cigarro ao canto da boca, sacas de serapilheira atadas a tiracolo, passavam por entre elas que despejavam as cestas para os grandes cestos vindimos transportados ao ombro. Metiam-se com eles, provocavam-nos com ditos e cantigas. Eles em silêncio, passadas medidas em esforço por sobre os torrões. Era o tempo da brejeirice das mulheres, fortalecidas pela companhia, e, dos namoros! Algum, solteiro ou mais vivaço, respondia… mas elas ganhavam-lhes no jogo das palavras! Como formigas num carreiro, dirigiam-se para o alto, onde estavam os carros de bois que recebiam as uvas em grandes dornas assentes sobre molhos de tojo para não escorregarem, amparadas por fueiros de oliveira, grossos e polidos. A tudo o mosto dando cor e brilho! Subiam ao carro por uma grossa tábua com traves pregadas e viravam os cestos directamente do ombro para dentro da dorna, enchendo-a das uvas que um rapaz com um maço de madeira calcava. Os carros não paravam! Enquanto enchiam um os bois eram engatados a outro já cheio que marchava para o lagar. As coleiras de campainhas, ranger de cabedais, a chiadeira de eixos e o estalar da madeira dos carros pesadamente carregados, soavam pelos caminhos, testemunho do esforço, com o vozear dos boieiros a encorajar os animais: - “Éh qu’ié galante! Héi diamante!”.
Era meio-dia, o calor apertava! Os ranchos haviam parado a labuta e à sombra das sebes e das oliveiras ou de algum grande freixo, num lume de vides secas caldeiravam para o almoço, assavam sardinhas salgadas e catalões, chouriço ou toicinho. Outros, normalmente em família, comiam à colher directamente dos tachos, arroz de tomate com pimentos eventualmente aromatizado por uma sardinha que cozera em cima, ou a molhanga de tomate e cebola com batatas às rodelas mais o ovo escalfado. Deixavam passar o maior calor mas por pouco tempo, pois nem carros nem vindima paravam enquanto houvesse um cacho de uvas pendurado. Os bois tirados da canga e à soga, esperavam também na sombra, ruminando pacientes, que os boieiros comessem a invariável s’lada, de tomate cortado aos cubos grossos, cebola picada e o bacalhau por conduto, cru e desfiado para dentro da saladeira de esmalte pintada, tudo temperado com o sal grosso e azeite que levavam num corno fechado com uma rolha de cortiça, às vezes polvilhada de orégãos, onde molhavam nacos de pão tirado do saco de pano, que cortavam e espetavam na ponta da navalha.