Da estante
Mergulho num velho livro com a capa a desfazer-se, um desses romances publicados há muito tempo que, por qualquer razão, toda a gente leu na juventude e, no entanto, me passou ao lado. Não se riam: trata-se de Olhai os Lírios do Campo, do brasileiro Erico Veríssimo, tanto quanto sei um dos autores preferidos da escritora Alice Vieira. Se calhar, devia mesmo tê-lo lido mais cedo, porque, não sei se é do papel amarelecido, se da impressão feita ainda a partir de caracteres de chumbo, o livro me está a parecer coisa um pouco antiga, um pouco datada. Conta a história de Eugénio, um rapaz pobre com vergonha dos pais e da sua condição, que com esforço consegue tornar-se médico; mas, atraído desde menino pela vida desafogada dos ricos, troca uma colega muito querida por uma rapariga de famílias finas, dada à psicanálise e saída da casca, com quem será, de resto, muito pouco feliz e que o fará sentir-se permanentemente humilhado. E, lamentavelmente, não poderá voltar à sua vida com a compreensiva e engraçada Olívia (esta, sim, uma personagem interessante) pois, quando o livro começa, está Olívia a morrer num hospital onde pede que chamem o seu Genoca, que – é mais do que provável – não chegará a tempo. Não querendo contar muito mais, para não estragar o prazer a quem se atreva a este clássico, tenho a sensação de que Eugénio ainda vai aprender a gostar de si mesmo olhando os lírios do campo. Estou a cem páginas do fim e já se fala de Hitler e de judeus, pelo que é de esperar que, diante do Holocausto, possa o homem relativizar a sua própria tragédia. Talvez então o romance me consiga agarrar.