Escrever de graça
Quando eu comecei a trabalhar no ramo editorial, a maioria dos escritores com obra publicada tinha um emprego fixo e escrevia nas horas vagas (como não havia tantas solicitações como há hoje e a televisão só tinha dois canais, era mais fácil arranjar tempo). No entanto, hoje os escritores querem viver exclusivamente do que escrevem (que é, também, o seu trabalho) e, porque o País é pequeno, raramente o que tiram das vendas dos respectivos livros é suficiente para se sustentarem, tendo por isso de se lançar à escrita de guiões, artigos de jornal, recensões, peças de teatro, etc. Mas não é fácil, claro; primeiro, porque estas manobras os afastam muitas vezes das obras que estão a compor; depois, porque estão sempre a ser solicitados para escrever sobre tudo e mais alguma coisa, de borla! Pois, pois... Eu queria ver se alguém tinha lata de convidar um economista ou um médico para escrever ou falar sobre um assunto específico sem lhe pagar... A um escritor, porém, quase nunca se toca no assunto do dinheiro, como se ele vivesse do ar e fosse sua obrigação oferecer de mão beijada todos os seus textos. É, na verdade, escandaloso – e a verdade é que muitas vezes, ao convidarem escritores para discursarem neste ou naquele evento, ainda acham que lhes estão a fazer um favor e a dar uma oportunidade para promoverem os seus livros. Eu, por exemplo, estou a sempre a receber pedidos para fazer prefácios em livros de poetas estreantes, mas mais recentemente também me pediram artigos que me obrigariam a uma investigação séria sem mencionar o pagamento uma única vez. Fiquei até agradavelmente surpreendida quando há uns meses uma instituição me convidou para ler e falar de poesia e me disse logo que pagava. Mas foi uma excepção e não parece que ninguém lhe siga o exemplo. Escrever será pior do que fazer contas em quê?