Estranheza
Consta que a decisão do Prémio Nobel da Literatura se atrasou uma semana em relação ao previsto por ter havido desacordo entre os membros do júri. Disse-se também que talvez tivessem escolhido alguém que se presumia iria recusar o galardão e não queriam repetir o episódio de Sartre; disse-se até que o escolhido morrera desde a primeira reunião e que tinham tido de buscar outro nome; disse-se que.. que.. que… Depois de saber quem arrecadou o prémio, imagino que não tenha sido fácil pôr os jurados todos a acreditar que Bob Dylan seria uma boa ideia. Quando Woody Allen escreveu o seu primeiro livro, um crítico literário americano desapontado referiu: «Could you stick to movies?» Talvez esse mesmo crítico concordasse, porém, que muitos dos scripts de Woody Allen são geniais, mas são geniais porque andam à boleia da imagem, lidos de per si não constituem decerto obra literária. E, porém, já me estou aqui a perguntar se um bom guionista de cinema ou televisão, um bom libretista de ópera ou da Broadway, não poderá no futuro ser agraciado com o Nobel da Literatura… Chamem-me bota-de-elástico. Não me importo. Eu, que por acaso até escrevo letras para canções e fados, não concordei com a escolha de Bob Dylan no passado dia 13. Por muito belas e profundas que sejam as suas canções, são isso mesmo, canções: texto + música (e ainda interpretação). Não creio que o texto sem a música se aguente e estou convencida de que, se Dylan nunca tivesse cantado os seus textos (poemas, para quem prefira), não teria ascendido à condição de poeta respeitável e nobelizável. A poesia de outros que foram anteriormente premiados – Seamus Heaney, Brodsky, Eliot, Quasimodo, Neruda, só para citar alguns – tem uma música intrínseca, diferente de caso para caso, que não precisa de nenhuma outra música para o texto brilhar. Ter a bengala de outra arte – a música, o cinema – para valorizar um texto é, de algum modo, diferente de se ser puramente escritor. Chamem-me chata. Não me importo.