Falar em silêncio
Há dois ou três verões li um romance-maravilha – e postei a propósito aqui no blogue – de um jovem escritor argentino; intitulado O Viajante do Século, foi elogiado, entre outros, por Roberto Bolaño (que disse que a literatura deste século pertenceria a Andrés Neuman – assim se chama o seu autor – e a mais alguns, poucos, dos seus irmãos de sangue). Nas últimas Correntes d’Escritas tive o gosto de conhecer pessoalmente Neuman (mais baixo do que esperava e imensamente simpático), passei uma noite à conversa com ele e a mulher no bar do hotel e recebi de presente o seu romance mais recente, em edição brasileira, pois ainda não foi cá publicado. Não o achei tão bom como essa primeira obra que li, mas também seria difícil escrever dois romances geniais. Este Falar Sozinhos é uma obra menos ambiciosa, que cruza três formas diferentes de contar e sentir: a de um rapazinho de dez anos, Lito, e a dos seus progenitores. Mário, o pai, doente terminal, decide levar Lito numa viagem a dois, tentando antecipar um futuro que já não viverá; e a mãe, Elena, enquanto se preocupa com ambos, consulta o médico do marido para saber exactamente o que pode esperar e acaba por expiar a sua culpa de ser saudável numa relação com ele, entremeada por leituras de que retira para a sua vida o que há a aprender sobre doentes e cuidadores. O médico, personagem secundária, é claramente a minha figura preferida do romance e as suas reacções e comentários são notáveis. Um especialista da morte – é oncologista –, parece perceber melhor o que vale a pena na vida do que Mário, por exemplo, que está a perdê-la. Mas todos neste livro falam sozinhos, mesmo quando se dirigem a alguém.