Ficção-Verdade
Em tempos que já lá vão, inventei uma colecção chamada Ficção-Verdade (para reportagens, romances históricos e livros afins) numa editora onde trabalhei sete anos, a Temas e Debates; ora, esse nome vem muito a propósito do mais recente romance de Chico Buarque, hoje dado à estampa em Portugal. Intitula-se O Irmão Alemão e, para quem não saiba, é fruto de uma demorada pesquisa à roda de um filho que o pai de Chico Buarque teve com uma alemã quando vivia em Berlim, no início dos anos 1930 (creio que já terá nascido quando Sérgio Buarque estava e regresso ao Brasil e casado, ou quase, com a mãe de Chico e dos seus outros cinco irmãos brasileiros). O cantor só terá tido conhecimento de que tinha um irmão mais velho na Europa depois dos 20 anos – e, tanto quanto se sabe, por mero acaso, quando o grande poeta Manuel Bandeira, amigo do pai, lhe falou do assunto com a maior naturalidade, provavelmente pensando que o facto era do domínio da família; Chico não teve coragem para o confirmar em vida dos pais (a mãe morreu aos 100 anos), mas com a ajuda da sua editora, a Companhia das Letras (que acaba de instalar-se também em Portugal, depois de ter sido comprada, pelo menos em parte, pela Penguin-Random House), pôs um homem no terreno; e, em Berlim, foi possível encontrar não o irmão alemão (que tinha morrido aos 50 anos, antes da queda do Muro de Berlim, com um cancro de pulmão como o que vitimaria o pai dois anos depois), mas a sua viúva, uma filha e uma neta, bem como documentos e testemunhas que serviram de base a esta ficção. E – coisa que tem bastante graça – o (também) Sérgio alemão cantava muito bem, tinha até gravado discos na Alemanha Oriental... A história tem muitos pormenores interessantes, mas talvez seja melhor ler o romance do que lê-la por interposta pessoa.