Inspiração e transpiração
Há quem defenda que, para escrever, tem de se estar inspirado – e que esta inspiração é claramente algo transcendente e externo ao escritor que nem sempre aparece. Sim, acredito que haja para cada pessoa um momento ou um tempo mental mais propício à escrita, embora não tenha a certeza de que as mãos sejam guiadas (como Lobo Antunes diz que lhe acontece) por qualquer força divina ou energia desconhecida. Por outro lado, alguns alegam que é tudo trabalho (transpiração versus respiração), mas conheço muitos pretensos escritores que são perseverantes e disciplinados e que, ainda assim, não produzem nada de notável. Michael Cunningham, o norte-americano que escreveu As Horas, esse belíssimo e premiado livro, esteve recentemente em Lisboa e diz que a única coisa que sabe é que não há regras para se escrever. Mas adianta que um escritor tem de estar em contacto com a escrita (seja do que for) todos os dias – vá lá, descansar ao domingo, quando muito. E contou que o truque é sentar-se à secretária e escrever a mesma frase uma dezena de vezes ou mais até parecer que não está assim tão mal. É verdade que é esta oficina que torna um mero escrevente um escritor, o problema é que há muita gente com pressa de acabar um livro e não se dá a «transpirações». Pior ainda se não tiver «inspiração», digo eu.