Invenções
Há uns meses reeditei um antigo ensaio biográfico de Orlando Raimundo sobre Marcello Caetano e agora publico o seu livro mais recente: António Ferro: O Inventor do Salazarismo. Certamente todos conhecem o nome de Ferro, o homem da propaganda de Salazar que congregou à sua volta artistas e escritores (Almada Negreiros, por exemplo), lhes deu condições para servirem o regime com grande criatividade e entrevistou o homem de Santa Comba que admirava mais do que todos (e que acabou por lhe dar um pontapé no rabo depois dos serviços prestados). Pois bem: Ferro, para quem não saiba, é o homem que inventou o Galo de Barcelos (se julgavam que era uma antiquíssima tradição, desenganem-se), os cordões de ouro das noivas do Minho, a aldeia mais portuguesa de Portugal (que arranjou a seu gosto, modificando o mobiliário doméstico) e até as marchas populares. Com uma capacidade de manipulação e cosmética que poucos tiveram, era também dono de uma imaginação e de uma cultura raras entre os homens de Salazar e, embora pareça que se impôs desde o início com uma impostura (alegando ter sido o editor da revista Orfeu, quando apenas o foi na ficha técnica – e por ser menor na época e, portanto, não poder ser vítima de queixas e processos), a verdade é que muito do que foram as artes do seu tempo (pintura, cinema, dança) se devem a Ferro e às suas ideias engenhosas. No livro de Orlando Raimundo, podemos conhecê-lo do nascimento à morte, com o seu génio e as suas imposturas – mas será impossível doravante passar-lhe ao lado.