Invenções
Uma vez, sentada à mesa de um jantar durante um festival literário, ouvi uma conhecida escritora portuguesa dizer, com a maior das calmas, que Borges (esse mesmo, o escritor argentino) não tinha estilo. Não comentei; o disparate só podia ter dois motivos: inveja ou desconhecimento (os escritores não lêem tudo e falam muitas vezes do que não leram como se o tivessem feito). Tenho-me posto a degustar o genial Jorge Luis no original depois de o ter feito em português – e se há coisa de que não pode ser acusado é de não possuir uma voz própria, inimitável e, porém, capaz de se intrometer na escrita de dúzias de escritores até aos dias de hoje. O argentino que tinha portugueses entre os seus antepassados é realmente um fantástico inventor – e isso é desde logo notório nos seus textos sobre livros fictícios (mas que bem podiam ter existido), como o famoso «Pierre Menard, autor do Quixote», «Tlön, Uqbar, Orbis Tertius» ou (em espanhol agora, porque não me lembro de como foi traduzido em português) «El acercamiento a Almotásim». Estes e outros (como o muito citado conto «A Biblioteca de Babel») fazem parte do volume Ficções, que obteve o Prémio Internacional de Literatura, atribuído por editores de França, EUA, Inglaterra, Alemanha, Itália e Espanha em 1961 e reli agora numa velhinha edição de bolso da Alianza Editorial roubada às estantes do Manel. Mas o mestre está todo traduzido em português e é imperdível, por isso avancem quanto antes, não dêem ouvidos a quem desconhece e apouca, prestando um mau serviço.