O cheiro do passado
Há tempos assisti a uma conferência brilhante de José Tolentino Mendonça sobre os sentidos e como lhe prestamos tão pouca atenção na actualidade. De todos eles, aquele que mais depressa me consegue transportar ao passado é o olfacto – e gosto muito de ser levada de repente a um tempo antigo ou a alguém que deixei numa outra parte da minha vida por um perfume que, subitamente, se cruza comigo na rua ou por um odor de comida que sobe do meu prato durante um jantar. Estou a ler um livro que associa cheiros a episódios de uma autobiografia, mesmo que entrecortada, e a gostar muito. Chama-se justamente Perfumes e escreveu-o Philippe Claudel, autor de outros livros que me encheram as medidas, especialmente Almas Cinzentas, um dos meus preferidos de sempre. Todas as nossas idades têm cheiros facilmente identificáveis, mas eu, que nasci na capital, nunca me poderia gabar do odor dos pinheiros e das acácias como Claudel, que passou a infância no campo. Já o bafio me diria qualquer coisa (os armários da minha húmida Ericeira nunca lhe escapam), bem como o after-shave que ele associa ao pai barbeando-se na casa de banho e que também eu poderia associar ao meu. Mas há muito mais matéria olfactiva para descobrir nesta pérola literária, sumamente bem escrita, sobre uma vida contada também pelo nariz. A não perder, claro.