O que ando a ler
Javier Cercas escreve estupendamente sobre personagens e acontecimentos reais num tom de romance em que é tudo inventado; em Espanha até se diz que escreve «romances de não-ficção». Sim, é mais ou menos isso – e o livro que ando a ler neste momento não é excepção. Chama-se O Monarca das Sombras e regressa ao período da Guerra Civil espanhola já visitado pelo autor no maravilhoso Os Soldados de Salamina, obra que o celebrizou. Depois de muito hesitar, em parte também por se encontrar nos antípodas políticos do seu protagonista, em parte por vergonha assumida, em parte por não querer entrar em litígio com parentes (incluindo a mãe), Cercas decidiu dedicar este livro a um tio-avô materno, Manuel Mena, que combateu ao lado dos Franquistas e morreu em 1938 na Batalha do Ebro, dois anos apenas depois de se ter alistado, tornando-se uma espécie de herói oficial da família (o pobre rapazinho «que morreu do lado errado da História»). Todos os que morrem jovens, com uma vida inteira por viver, invocam uma certa sensação de desperdício – e o sobrinho-neto de Manuel Mena quis saber mais sobre o passado desta figura de que, em Ibahernando, a terra onde nasceu (e donde os pais emigraram poucos anos mais tarde para a Catalunha), muita gente se orgulhava. Descobrir algumas coisas incómodas (e não só sobre o jovem combatente, mas também sobre outras gerações da família) faz, naturalmente, parte do processo. Ainda vou no primeiro terço do livro, mas já entendi que é para ler a correr até ao fim.