O segredo de Joe Gould
Ler um livro que não é ficção e, porém, ter a cada instante a impressão de que se está a ler um romance é magnífico. A personagem – Joe Gould – parece mesmo inventada: um velho escanzelado deambulando por Manhattan, com roupa que já foi decente mas agora muito suja, bebendo e comendo sempre à custa de alguém (um empregado de um bar ou um cliente, que até podia ser o poeta E. E. Cummings) ou passando uma fome de cão, o que também acontece frequentemente. Um homem que, mesmo assim, estudou em Harvard, era filho e neto de médicos, mediu crânios a centenas de índios e anda a escrever há que tempos uma obra aparentemente interminável chamada Uma História Oral da Humanidade em cadernos que espalha por todo o lado. Mas não, não se trata da imaginação de Joseph Mitchell, o autor, que publicou os dois textos sobre Joe Gould que constam deste O Segredo de Joe Gould na revista New Yorker, onde trabalhou durante anos. São também muitos anos os que separam estes dois «capítulos» do livro, mas Joe Gould é o mesmíssimo nos dois perfis que o escritor lhe traçou – e, apesar de ter existido, é o protagonista que todos os que escrevem ficção gostariam de ter numa obra sua. Lobo Antunes, que assina um pequeno prefácio, diz que há muito tempo que não encontrava nada assim. Nem eu. Este livro não se pode perder.