Orações
Quando visitei o cemitério judeu em Praga, lugar belíssimo, fiquei intrigada com todos aqueles papelinhos dobrados e pousados sobre as pedras tumulares, como se fossem recados dos vivos para os mortos. Em Macau, num santuário, também vi as várias orações deixadas numa espécie de oratórios bastante coloridos onde ardiam pauzinhos de incenso. Sinto que uma oração é coisa privada e íntima, pelo que nunca me ocorreria desdobrar esses papelinhos para ver o que tinham escrito, mesmo que falasse as línguas dos seus autores. Lembrei-me de tudo isto a propósito de uma notícia curiosa lida no Público: a de que, no manto da imagem de Nossa Senhora da Soledad, da Basílica de Mafra, que estava em restauro, foram descobertos documentos manuscritos dobrados em quatro e cosidos à zona dos bordados, de forma que, de fora, não se desconfiava de nada. Presume-se que serão de meados do século XIX e já se pôs a hipótese (mera hipótese, sublinhe-se) de que se trate de pedidos feitos a Nossa Senhora da Soledad por várias pessoas, uma vez que são sete (um número invulgarmente grande) e, aparentemente, escritos por «mãos diferentes». Os documentos não foram ainda lidos (até porque o manto continua em restauro e não se pode arrancar a papelada de qualquer maneira) e é provável, claro, que nunca venhamos a saber o seu conteúdo. (Talvez os especialistas sejam os únicos a poder devassar a intimidade.) Espero, evidentemente, que os pedidos tenham sido atendidos.