Palavras derradeiras
Quem sobressai através das palavras tem certamente a capacidade de dizer coisas bonitas e originais nos seus últimos momentos. Mas, embora fosse de esperar que os escritores coroassem o adeus à vida com frases que os tornassem ainda mais imortais, a verdade é que muitos deles foram, antes de tudo, gente com medo da morte ou perturbada pelo sofrimento. Leio algures que, por exemplo, Aldous Huxley – que já ninguém deve ler nos tempos que correm, mas foi autor de um clássico que era obrigatório para a minha geração, O Admirável Mundo Novo – pediu à mulher uma dose de LSD quando sentiu a ceifeira aproximar-se, aspirando talvez a morrer «numa boa». Voltaire, por seu turno, num acto de humor inteligente, terá dito ao padre que lhe pedia que renunciasse ao Diabo que aquela não era altura de fazer inimigos... Já Jane Austen, quando a irmã a interrogou sobre os seus últimos desejos, respondeu que o que desejava era morrer, enquanto, ao sentirem o mergulho nas trevas, Goethe pediu apenas mais luz e Emily Dickinson declarou que estava na hora de entrar em casa porque o nevoeiro se adensava. O autor de Alice no País das Maravilhas ordenou que lhe levassem dali as almofadas, pois já não iria precisar delas para nada, e Tchékov quis celebrar a partida com champanhe, que terá pedido à mulher com a dose de morfina que tomava habitualmente. O poeta romântico Byron avisou simplesmente que ia dormir... E dormiu, de facto, para todo o sempre.