Recusas
A Academia Nobel, cinquenta anos passados das distinções de 1964, abre ao público os arquivos desse ano: actas das reuniões do júri, listas dos nomes propostos desde o início, etc. Desconheço se o faz sempre e em todas as categorias, mas na de Literatura tinha todo o sentido disponibilizar os documentos agora por uma simples razão: é que em 1964 Sartre recusou o Nobel (coisa rara e nunca vista) e, também por isso, a curiosidade do público era maior sobre a papelada referente ao galardão. Efectivamente, descobre-se que o existencialista francês tentou evitar o vexame da Academia Sueca, avisando-a por carta (concisa e delicada), uma semana antes da decisão sobre o laureado, de qual seria a sua posição se lhe atribuíssem o prémio. Ao que parece (há sempre fugas de informação), chegou de algum modo aos ouvidos de Jean-Paul Sartre que o seu nome estava na mesa e ele, com pinças para que não o vissem como presunçoso, correu a dizer que não podia nem queria aceitar a distinção honorífica com que eventualmente estavam a pensar brindá-lo por crer que isso acabaria por implicar a Academia nas posições políticas que assumia e que eram dele, e só dele. Havia já alguns anos que um ou outro jurado avançara o seu nome, e em 1964, pelos vistos, era o mais votado entre 76 outros escritores, como os poetas Auden e Celan, os dramaturgos Ionesco e Beckett ou os ficcionistas Borges e Mishima (tudo grandes figuras literárias). Ou a carta não chegou a tempo, ou a Academia fez orelhas moucas. Sartre foi o escolhido e disse que não, o que requer muita coragem, sobretudo quando está em causa uma quantia elevadíssima. E, não tendo conseguido evitar a fatalidade, depois da recusa as suas declarações já não foram tão simpáticas como a sua carta para o comité Nobel, criticando-o pela não atribuição do prémio a escritores como Neruda, Aragon ou Sholokhov e acusando-o de só distinguir «escritores do Ocidente» e «rebeldes de Leste»…