Zangas
Em todos os países existem escritores que não gostam de um ou mais dos seus confrades – e não estou a falar do que eles escrevem, mas dos indivíduos –, nutrindo por eles uma antipatia muito especial que, por vezes, chega a ser raiva ou ódio. Cá na terra, sabe-se que Lobo Antunes nunca foi à bola com Saramago, por exemplo, e que passou a gostar ainda menos dele depois de o Nobel lhe ter sido atribuído, quiçá porque, com esse gesto da Academia Sueca, viu perdidas as suas hipóteses de obter ele mesmo o galardão. Mas zanga a sério foi a que ocorreu em meados dos anos 1970 entre dois grandes (que ganhariam ambos o prémio tão ambicionado por Lobo Antunes, embora com anos de intervalo), García Márquez e Vargas Llosa, e que, inclusivamente, meteu tareia (o peruano socou o colombiano e mandou-o ao chão) e não deu direito a pedido de desculpas ao longo da vida nem a reaproximação. Ninguém soube exactamente a razão da briga, embora alguns jornalistas digam que a mulher de Llosa era o verdadeiro assunto; e as testemunhas da luta corpo-a-corpo comprometeram-se, tal como os dois contendores, a não alimentar a sanha dos jornais e a não revelar nada sobre a matéria. E foi isso que aconteceu, pois recentemente, a seguir à morte de García Márquez, Llosa foi de novo interrogado sobre essa velha cena, ocorrida em 1976, mas disse apenas que, se o adversário tinha cumprido a sua palavra, ele não via razões para não o fazer. «Os biógrafos que descubram a verdade», respondeu a rir.