Confesso que li o meu primeiro livro da norte-americana Marylinne Robinson porque ouvi o presidente Barack Obama dizer que era uma das suas autoras preferidas. Ainda o nosso Presidente não era presidente, mas professor e comentador, e já os livros que divulgava na televisão, mesmo demasiado sucintamente (eram muitos para tão pouco tempo), passavam a registar vendas significativas na semana seguinte nas livrarias. Mas desta feita vai falar-se dos livros de um outro presidente, Mário Soares, para comemorar o seu centenário e falar da sua enormíssima biblioteca (no Dia Mundial do Livro). A mesa-redonda é organizada pela Universidade do Minho e faz parte do ciclo «Conversas na Casa»; realizar-se-á hoje às 18h30, na Casa do Conhecimento em Braga (Largo do Paço), e conta com as participações da filha de Mário Soares, Isabel Soares, e também de Maria João Avillez e Pedro Matos Gomes, sendo moderada por Sérgio Guimarães Sousa. Vai de certeza valer a pena, até porque quem aqui não gosta de ouvir falar de livros?
Lutando contra a desculpa esfarrapada de que não têm tempo para ler, dada por pessoas que em geral não querem dar-se a esse trabalho, a RTP começa hoje um interessante programa intitulado A Pequena Biblioteca, com autoria e apresentação de Filipa Leal (já experiente nestas andanças), que propõe semanalmente em menos de cinco minutos (para não roubar muito tempo) um livro pequeno que merece ser lido. Ao longo de cinquenta episódios, a ideia é mesmo promover a leitura junto de todos, especialmente os preguiçosos, de pequenas obras e mostrar que os livros não se medem aos palmos e que há títulos incríveis de poucas páginas que, ainda por cima, têm a vantagem de não pesar e poder ser transportados na mala ou no bolso. Parabéns por mais esta iniciativa que eu não vou de certeza perder. Se não lerem grande, leiam pequeno! É o mínimo que se pode pedir.
Na semana passada, para começarmos mal, morreu-nos Mario Vargas Llosa, o grande (enorme) romancista peruano, premiado com tudo o que havia para ganhar, incluindo o Nobel da Literatura em 2010. Autor de livros absolutamente marcantes, e tão diferentes uns dos outros como Conversa na Catedral, Quem Matou Palomino Molero, A Guerra do Fim do Mundo ou, mais recentemente, As Travessuras da Menina Má e O Sonho do Celta, fez-me apanhar um bruto escaldão na Praia da Luz, em Lagos, há muitos anos, enquanto lia A Tia Júlia e o Escrevedor, que se baseia na sua própria experiência de radialista e pretendente de uma tia por afinidade, com quem na vida real acabaria por ficar casado durante doze anos. Era, além disso, um desses autores que falam bem, e ouvi-o a propósito do seu percurso (já aqui o contei) na Feira do Livro de Guadalajara, no México, numa ocasião em que contou como a leitura o ajudara no colégio interno a perceber que não era o único miúdo no mundo a sofrer a privação da mãe e da alegria. Era por fim um homem implicado na política, não indiferente, tendo-se candidatado a presidente do Peru e escrito romances com fundo político (Lituma nos Andes, um dos meus preferidos), mesmo que o amor nunca fosse estranho a esses livros. Presto-lhe homenagem neste blogue e espero que a sua herança crie grandes escritores por esse mundo fora. A sua obra é para continuarmos a ler e reler.
Poesia rima com Primavera, ainda que não pareça. Já aqui disse que o dia em que se inaugura a nova estação é o Dia Mundial da Poesia, mas agora conto-vos que na próxima semana estarei no Luxemburgo para, com muitos outros poetas de várias nacionalidades, participar em várias sessões no âmbito do encontro Printemps des Poètes. Além de uma conversa com a representante do Instituto Camões, Adília Carvalho, na universidade a propósito do que se lê e publica em Portugal desde o 25 de Abril, o que dá pano para mangas, realizarei duas leituras de poesia de cerca de dez minutos em português, que serão seguidas da leitura, por uma atriz, das respectivas traduções francesas, feitas pela magnífica Sónia da Silva, com quem pude trabalhar aquando das Correntes d'Escritas, no passado mês de Fevereiro. Com essas traduções foi feita, de resto, uma pequena plaquete bilingue pelos Cahiers de l'approche (Cadernos do Achegamento) para eventual venda durante as actividades. Vai ser uma Primavera muito poética. Boa Páscoa e até segunda.
Já aqui falei da fabulosa estreia na ficção literária da cantora Luísa Sobral. Como faz parte, houve algum preconceito quando se falou de que a artista se atrevera à escrita de um romance porque os portugueses parecem sempre desconfiar de quem tem êxito (e o Camões até acabou Os Lusíadas com a palavra inveja). Mas, mal as pessoas começaram a ler, renderam-se à evidência de que a Luísa Sobral era uma belíssima contadora de histórias muito para lá das canções que escreve desde os doze anos; que era capaz de estruturar um romance literário, de usar vários registos estilísticos, de ter uma voz segura (ela é uma grande leitora), de investigar e inventar; e as críticas positivas têm-se multiplicado em blogues, jornais, podcasts e redes sociais, fazendo com que Nem Sempre as Árvores Morrem de Pé tenha passado já à 6.ª edição, o que é raro conseguir-se num primeiro romance. Para quem esteja interessado em ouvir a Luísa Sobral falar ao vivo sobre o seu processo criativo e o romance em causa, hoje às 18h30 estarei a conversar com ela na FNAC da Avenida de Roma, onde esperamos todos aqueles que queiram aparecer e tirar teimas. Hão-de cair muitos muros, aposto. Até logo.
Hoje sai para rua e as livrarias mais um romance vencedor do Prémio LeYa. Desta feita, estamos em 1962, num país orgulhosamente só, e vem aí a construção da primeira ponte suspensa sobre o Tejo, para a qual vão ser precisos cerca de três mil homens. A obra irá mudar para sempre a paisagem da capital, muito especialmente para quem vive em Alcântara, como é agora o caso de Victor Tirapicos, instalado na casa dos tios depois de ter envergonhado o pai com dois anos de cadeia só por ter roubado pão e batatas para fintar a miséria. É, de resto, pelos olhos deste serralheiro de vinte e dois anos que veremos a ponte erguer-se um pouco mais todos os dias e, ali mesmo ao lado, partirem os navios cheios de rapazes para a guerra do Ultramar, donde muitos acabarão por voltar estropiados, endoidecidos ou mortos. Porém, apesar de a modernidade parecer estar a matar a vida e os costumes do pátio operário onde convivem (amigavelmente ou nem tanto) uma série de figuras inesquecíveis – entre elas o mestre sapateiro que faz as chuteiras para o Atlético Clube de Portugal e um velho culto que aprende a desler –, Victor Tirapicos encontra o amor de uma rapariga que é muda mas consegue escutar o planeta, pressentindo a derrocada da estação do Cais do Sodré e outra catástrofe ainda maior, que se calhar tem pés de barro e só acontece neste romance, mas bem podia ter acontecido. Pés de Barro é um livro maravilhoso que, garanto, toda a gente vai gostar de ler. Parabéns, Nuno Duarte! (A maravilhosa capa é de Rui Garrido.)
Certa noite, um fenómeno natural súbito e inexplicável deixa um hotel completamente isolado e rodeado por uma cratera funda, o que não só resulta numa perda de liberdade de movimentos para os hóspedes, mas também num convívio diário forçado entre pessoas de contextos e gerações muito diferentes. O «sinistro» – como virá a ser referida a catástrofe – é pressentido pela filha do Engenheiro responsável pela construção do hotel, uma pré-adolescente que perdeu a mãe em circunstâncias pouco claras dois anos antes; leitora voraz e de imaginação fértil, a Menina crê que recebeu a mensagem do abalo e, cansada das namoradas do pai, resolve lançar-se numa aventura, pondo-se em contacto com a Guia Turística que se encontra sitiada no hotel. Assim é o maravilhoso Passagem Noturna, da açoreana Maria Leonor Sampaio da Silva, uma narrativa que oferece várias perspectivas da mente e do comportamento humanos num momento de crise, criando tão depressa situações cómicas e absurdas como dolorosas e chocantes. Finalista do Prémio LeYa, evoca a insularidade e acompanha o destino das personagens ao longo de um período de sete dias que faz pensar no mito da Criação, mas parece caminhar para um desfecho de queda e escuridão. Elogiado já por João de Melo, Carlos Fiolhais, Onésimo e Leonor Teotónio de Almeida, um livro francamente inovador no nosso panorama literário.
Os meus pais sempre falaram russo um com o outro – e comigo e com a minha irmã também. É claro que sabiam falar checo, mas não tão bem como a Ielena e eu, e o seu sotaque russo fazia com que amiúde nos sentíssemos envergonhados. Embora pudéssemos falar checo entre nós, não o podíamos fazer com eles, pelo que quando não nos ocorria uma palavra em russo tínhamos de perguntar-lhes, ou então tentar explicar, em russo, o que pretendíamos dizer. Por essa razão, sempre fomos bastante bons no russo – ainda hoje a Ielena o fala na perfeição –, e talvez seja também esse o motivo de, após a nossa fuga da Checoslováquia para a Alemanha, no verão de 1970, termos aprendido alemão com tanta rapidez.
Ao regressarmos a casa vindos da escola, naquele dia demasiado quente, abrasador mesmo, de maio de 1965, marcado por breves aguaceiros, Ielena e eu decidimos cantar, bem alto e com primor, uma canção checa famosa, das que normalmente se canta em redor de uma fogueira. Fala de apaches e do seu chefe Manitou, e da luta destes contra os brancos. É claro que no final morrem todos, mas morrem como heróis, como índios orgulhosos. Ielena aprendera a canção no verão anterior, num acampamento em Česká Lípa, e depois ensinara-ma. Ainda hoje nos lembramos da canção e por vezes, quando falamos ao telefone – ela vive em Londres, eu em Berlim –, cantamos em coro a primeira e segunda estrofes, e de cada vez que assim é recordo aquela tarde em que Dima regressou da prisão.
Hoje o meu querido pai faria 103 anos e, embora tenha morrido em 2001 (antes da queda das Torres Gémeas), permanece vivo dentro de mim. Era bastante «mãos-largas» com os filhos, diga-se de passagem, ajudava-nos sempre que precisávamos com umas massitas e, mais tarde, quando eu fui viver sozinha, até com a renda da casa. Mas, claro, o dinheiro não é tudo, e há quem seja igualmente generoso tendo «mãos pequenas»... Vem isto a propósito de um livro infantil de Helena Sacadura Cabral, chamado Mãos Pequenas, Coração Grande e ilustrado por Carolina Branco, que será lançado esta tarde às 16h00, no El Corte Inglés, com apresentação de Fátima Lopes. É um livro sobre a empatia, a ternura e a importância de olharmos com olhos de ver para o outro e o ajudarmos sempre que ele estiver a precisar. É o que acontece à Clara e ao Francisco desta história, mas o melhor é lerem-na aos vossos filhos, pois há hoje uma grande crise de valores e este livro também serve para os transmitir e recuperar. Parabéns, Helena, por mais este livro.
P. S. Amanhã é dia de Excerto da Quinzena, pelo que anuncio já hoje a apresentação no Porto por Rui Lage do excelente romance da Sara Duarte Brandão, vencedor do Prémio Literário Cidade de Almada, Quem Tem Medo dos Santos da Casa, que já aqui elogiei. O convite segue abaixo, apareçam!
Publico há muitos anos (uns quinze, creio) um autor de Cabo-Verde, Mário Lúcio Sousa, que além de músico e escritor foi também ministro da Cultura do seu país. Quase todos os seus livros foram premiados, mas destaco hoje um romance que se chama O Diabo Foi Meu Padeiro, integralmente passado no campo de concentração do Tarrafal, desde a sua abertura até ao abandono das instalações (no final, tem a lista de todos os prisioneiros que por lá passaram, de diversos países). É, porém, a propósito de um outro livro sobre o mesmo tema, Tarrafal : Campo de Concentração, com organização de Alfredo Caldeira e João Esteves, que o auditório da Fundação José Saramago acolhe hoje uma conversa que reúne, além dos autores, António Gato, Diana Andringa, Domingos Abrantes, Fernando Rosas, Luís Farinha e Maria Luísa Tiago de Oliveira, para falarem realmente do que foi essa prisão tremenda que se inaugurou com os revoltosos da Marinha Grande nos anos 30 e que viu morrer muitos de disenteria e outras doenças. A sessão é às 18h30, com entrada livre, dependente da lotação da sala.