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Horas Extraordinárias

As horas que passamos a ler.

07
Fev25

Na Fundação

Maria do Rosário Pedreira

Hoje estarei na Fundação José Saramago pelas 18h30 para dizer poemas e serão muito bem-vindos se quiserem aparecer, sobretudo porque não serei a única convidada. A iniciativa deve-se à poetisa colombiana Lauren Menindueta, residente em Portugal, no âmbito dos Encontros Ibero-Americanos de Poesia e Música (de que é curadora no ano 2025), numa organização conjunta da Fundação com a Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, Ciência e Cultura. Estarão comigo a poetisa Rosa Alice Branco, que vive no Porto, e o poeta Felipe García Quintero, que vem da Colômbia. Reúnem-se a nós depois os músicos Edouard Rambourg (saxofonista) e Nuno Rocha (na guitarra), pelo que além da música das palavras haverá música a sério. Apareçam.

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06
Fev25

Conferência no hospital

Maria do Rosário Pedreira

Desde há algum tempo que me venho queixando dos médicos, sobretudo em termos humanos. Por causa de uma dor terrível na anca, fui consultar um especialista que me indicaram, catedrático e tudo. Além da espera (já não se usa), quando entrei na sala e me preparava para contar a minha história, o senhor, sem sequer me cumprimentar, perguntou: «É para operar?» E disse-me que, se quisesse ser operada, teria de aguardar três meses, passando-me para a mão umas fotocópias que falavam da recuperação de seis semanas e tinham o telefone da secretária para eu lhe ligar se quisesse marcar a cirurgia. Viu-me? Não. Ouviu-me? Tão-pouco. Fez perguntas? Nem pensar nisso. Limitou-se a olhar para uma radiografia à bacia que eu fizera umas horas antes e a dizer que eu nem estava assim tão mal. Não volto lá, evidentemente, mas o problema é que não foi o primeiro caso. Antes tinha sido operada à coluna duas vezes por causa da mesma dor, e afinal o problema era a anca. Acho que os médicos estão a precisar de umas horas de Humanidades a ver se se tornam mais humanos... E são bons sinais desde logo as aulas de Poesia que o Prémio Pessoa João Luís Barreto Guimarães (ele próprio médico) dá no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (de que já aqui falei); mas também a conferência de Martim Sousa Tavares que a empresa DST (uma empresa de construção que tem dado passos muito importantes na formação cultural e promove anualmente um prémio literário) organizou no Hospital de Braga sobre a forma como a arte e a cultura podem influenciar positivamente as comunidades e como, no fundo, uma orquestra é o exemplo de uma organização: há alguém que rege, mas são os músicos que fazem o trabalho. Parabéns à DST pela iniciativa e um apelo às empresas para que sigam estes exemplos e vão aos hospitais tornar os profissionais gente melhor, em quem nós, doentes, possamos realmente confiar.

05
Fev25

O corpo tem memória?

Maria do Rosário Pedreira

Houve alturas em que Anna acreditou na igualdade que recompensa independentemente do género, «que não quer saber se usas maquilhagem ou como são as tuas pernas». Mas depois, como muitas raparigas e mulheres, sentia necessidade de ser vista e de se sentir especial. E, perante os olhares, as mãos e as palavras dos homens, não conseguia deixar de ceder, embora dividida entre o desejo de se mostrar e o pavor de o fazer. E agora, que dá aulas num mestrado em jornalismo, dá por si a discutir o legado do #MeToo com muitas jovens, enquanto pensa em todas as vezes que cedeu. Quantas interpretações damos à palavra «consentimento»? Quando é que podemos ter a certeza de que um «sim» não esconde uma hesitação? Anna procura culpados, mas não tem a certeza de se poder considerar uma vítima. Terá de se perdoar a si mesma, olhando para dentro de si com coragem e sinceridade, para se poder aceitar e seguir em frente? Em todo o caso, continua à espera de que lhe peçam desculpa. Proposto ao prestigiado Prémio Strega, Continuo à espera de Que Me Peçam Desculpa é um romance extremamente actual sobre como às vezes só muito tarde as mulheres percebem como sofreram abusos. Com a curiosidade e a inteligência que caracterizam a sua escrita, Michela Marzano convida-nos a reflectir acerca da relação ambígua que temos com os outros e com o nosso próprio corpo.

 

04
Fev25

De novo

Maria do Rosário Pedreira

Amigos Extraordinários, preparem-se porque vêm aí mais umas Correntes d'Escritas, esse encontro que se transformou na maior festa de línguas ibéricas de Portugal. O programa já foi anunciado e deixo uma ligação abaixo para consulta; mas, como sempre, multiplicam-se autores e actividades, que vão desde as conversas nas mesas, que acontecem diariamente no teatro, desta vez com as intervenções norteadas por nomes de pinturas célebres que servem de mote, até à conferência de Helder Macedo sobre Camões, às sessões da peça A Casa, que esgota um número incrível de sessões todos os anos, às exposições, aos filmes e concertos, e também às idas a escolas. Este ano vou lá passar os dias todos pois tenho cinco autores presentes: Nicolau Santos, de quem publiquei Amarelo Tango em Setembro do ano passado; David Machado, de quem publico ficção para crianças e adultos e cujo livro mais recente é Os Dias do Ruído; José Carlos Barros, cuja antologia Taludes Instáveis é imperdível; e ainda dois autores que vão à Póvoa de Varzim lançar os seus romances em primeira mão: o venezuelano exilado em Málaga Rodrigo Blanco Calderón com o livro Simpatia, e a cantora Luísa Sobral, que se estreará na ficção com Nem Todas as Árvores Morrem de Pé. Haverá ainda o Prémio Literário, este ano para a poesia. Vejam o programa e organizem-se. No dia 19 inauguram-se mais umas Correntes e seria óptimo assistirem.

https://www.cm-pvarzim.pt/territorio/povoa-cultural/pelouro-cultural/areas-de-accao/correntes-d-escritas/correntes-descritas-2025/

 

03
Fev25

O que ando a ler

Maria do Rosário Pedreira

Tenho lido muito mais livros de autores estrangeiros do que de portugueses nos últimos tempos. Eu, que andava sempre atrás de tudo o que saía de novos autores, tenho uma boa lista de literatura portuguesa em atraso, nem sei explicar bem porquê. Mas agora, para me redimir, ando a ler um livro que me foi oferecido pela própria autor, Djaimilia Pereira de Almeida, de quem fui  editora quando se estreou com o excelente Esse Cabelo. A esse livro que era um híbrido de ficção e autobiografia sucedeu o vencedor do Prémio Oceanos (Luanda, Lisboa, Paraíso), que era talvez mais próximo de uma ficção tradicional, e houve mais uns quantos livros pelo meio com géneros difíceis de definir, mesmo que um deles tenha ganho o Prémio de Romance e Novela da APE (Toda a Ferida É Uma Beleza). Este novo livro intitula-se O Livro da Doença e, embora não lhe possamos obviamente chamar ensaio, não é também ficcional, partindo, aliás, da morte algo inesperada e prematura do pai da autora e do facto de este dizer que andava a escrever um livro (que nunca foi, porém, encontrado); desse ponto de partida chegaremos a muitos outros lados, como uma fase em que a própria autora esteve doente ou a história de um rapaz chamado Fidel que foi mais ou menos adoptado pela família, para regressarmos depois ao pai e ao seu livro inexistente, mesmo que muitíssimas vezes referido pelo próprio. O de Djaimilia existe é um livro de grande maturidade, com um estilo marcante que é só dela, de alguma forma um livro que se pode considerar difícil, mas que, chegando a ele, é maravilhoso. Se não conhecem a autora, espreitem-na.

31
Jan25

Excerto da Quinzena

Maria do Rosário Pedreira

Imaginem uma menina de onze anos.

Imaginem-na com uma bandolete vermelha e um par de calças axadrezadas.

É 1985, e a Anna está na escola: sentada na primeira fila, os dedos manchados de tinta, muito atenta enquanto o professor de matemática explica a teoria dos conjuntos.

O homem tem cerca de quarenta anos; está de costas, tem uma mão no bolso e com a outra escreve no quadro: A ⊂ B.

Algum de vocês sabe o que significa aquele símbolo que desenhei entre a letra A e a letra B?, pergunta, virando-se para a turma. Caminha entre as mesas lentamente, chega ao fundo da sala de aulas e volta para trás, aproxima-se do estrado, apoia um pé no degrau, vira-se de novo para olhar para os alunos.

Silêncio.

O professor ostenta um sorriso malicioso, sarcástico: Não sabem porque são burros, ou era a vossa professora da escola primária que era burra?

Imaginem que o homem permanece imóvel por alguns instantes. E que depois recita aborrecido: A é um subconjunto de B, portanto, todos os elementos do conjunto A pertencem ao conjunto B. Dúvidas?

Silêncio.

Bem! Então, qual de vocês é capaz de dar-me um exemplo?

Silêncio.

Quantos de vocês representam o subconjunto “burros” do conjunto “turma”? O professor arregala os olhos.

Imaginem que caminha de novo entre as filas, fixando um a um os alunos, só os rapazes, evita as raparigas, e que, de repente, contudo, para à frente de uma morena e diz-lhe que vá ao quadro. E que, mal ela se levanta, ele inclina a cabeça e observa-a a andar.

 

Michela Marzano, Continuo à espera de Que Me Peçam Desculpa, trad. Sara Peres

30
Jan25

Clarice

Maria do Rosário Pedreira

Há muitos escritores brasileiros de excepção – desde logo Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Jorge Amado, e tantos outros; mas as mulheres que se celebrizaram por escrever romances no Brasil são menos conhecidas do público em geral – e se calhar não nos vêm logo à cabeça quando pensamos, grosso modo, em ficcionistas do país irmão. Excepto, claro, se se tratar da grande Clarice Lispector. Nascida na Ucrânia, judia, estudou Direito mas trabalhou sobretudo como jornalista e tradutora. Inventou um estilo que não se parece com mais ninguém, mesclando cenas da vida normal e doméstica com uma respiração ofegante e transgressora, com palavras-gritos, com um lado absurdo mas absolutamente humano (desculpem se pareço pretensiosa com estes termos vagos, mas é que ela é muito mais sensação do que racionalidade, pelo menos para mim, que fiquei logo marcada por Perto do Coração Selvagem). Escreveu a biografia desta “pernambucana” o fenomenal Benjamin Moser (está disponível em Portugal) e a óptima notícia é que acabam de sair, com um grafismo espectacular, quatro livros seus de uma vez: o romance que acabei de mencionar e ainda Água Viva, A Paixão Segundo G.H. e Um Sopro de Vida. Leiam-na!

 

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29
Jan25

Strout ataca de novo

Maria do Rosário Pedreira

Já aqui confessei que sou uma verdadeira fã da obra de Elizabeth Strout, a escritora norte-americana que começou a escrever bastante tarde para os parâmetros habituais mas que, em pouco mais de meia dúzia de romances, se firmou como um dos principais nomes da literatura contemporânea. Ainda ontem, numa sessão em que falei de projectos literários que aprecio especialmente, me referi a esta autora que tem duas personagens notáveis que atravessam a sua obra: Olive Kitteridge, uma antiga professora de Matemática implacável com a estupidez humana e sem a menor paciência para a família (há uma série de televisão baseada nos dois livros em que é protagonista (Olive Kitteridge e A Segunda Vida de Olive Kitteridge); e Lucy Barton, que temos a oportundiade de ler, não cronologicamente, em romances que falam da sua infância, do reencontro com a vida pobre do campo quando já se tornou uma escritora conhecida, da procura de uma cunhada desconhecida, do período da COVID com o ex-marido, do reencontro com a mãe num hospital, enfim, sempre a mesma Lucy em várias idades e contextos. Num dos livros da série Lucy Barton, apareceu por acaso alguém que mencionava a Olive, mas agora estou fascinada: o novíssimo Conta-me Tudo, que vou comprar a correr, faz com que ambas, Lucy e Olive, se conheçam. Não posso esperar por mais esta surpresa. Leiam esta autora, que não se vão arrepender.

28
Jan25

Livros de bolso

Maria do Rosário Pedreira

A newsletter da Livraria Bertrand ensina-me várias coisas sobre os livros de bolso que, curiosamente, nunca tiveram um êxito estrondoso em Portugal, talvez porque durante demasiado tempo quem lia eram as elites, e essas preferiam claramente os livros maiores; e depois chegaram muito rapidamente os ebooks para os mais jovens que gostam de ler no telemóvel, ainda mais pequeno do que o livro de bolso. Mas noutros países são um sucesso, como no Reino Unido, por exemplo, em que é vulgaríssimo vermos as pessoas a ler edições de bolso na praia, no metro e nos cafés (até já vi uma pessoa no aeroporto deitar fora a parte já  lida do livro num caixote de lixo para ir mais levezinha para o avião); ou em França, em que, além de editoras que se reuniram em empresas especializadas em livro de bolso, o preço muito mais barato devido às grandes tiragens serviu realmente para fazer leitores entre uma classe que não tinha poder económico para comprar as edições mais caras. Mas conta ainda a mesma newsletter que, durante a Segunda Guerra Mundial, contra os livros queimados pelos nazis, se imprimiu uma colecção inteirinha de livros de bolso que foi distribuída às tropas aliadas de todo o lado (da Normandia às ilhas do Pacífico) lembrando-as dos ideais nobres pelos quais lutavam e servindo de símbolo de resistência, liberdade e democracia.

27
Jan25

Demais ou de menos

Maria do Rosário Pedreira

Por causa de um comentário ao post de sexta-feira passada, que mencionava os dois romances de Cristina Drios que tive o prazer de publicar (Os Olhos de Tirésias e Adoração) e «marcava falta» a esta autora, que já não publica há muito tempo, pensei que realmente temos alguns escritores que bem podiam brindar-nos com romances com maior regularidade. Mas, claro, a Cristina viaja bastante, tem uma profissão que lhe rouba muito tempo e, além disso, é bastante exigente consigo mesma. Por outro lado, conheço autores (meus e de outras editoras) que estão sempre a teclar e a entregar livros novos, sobretudo os que não trabalham e querem viver exclusivamente da escrita, ou então têm trabalhos episódicos, mas não um verdadeiro emprego. Percebo que, se é essa a sua paixão, o façam, mas muitas vezes não deixam que os seus livros respirem o suficiente, nem que os leitores cheguem a desejar mais um livro seu, de tal modo os romances saem colados uns aos outros. Há ainda aqueles que, não conseguindo escrever com a velocidade que gostariam, mal entregam o livro querem que seja lido e publicado (como se os editores não tivessem as suas prioridades) e exprimem a preocupação de serem esquecidos pelo público se não publicam de dois em dois anos. Enfim, há de tudo como na farmácia e, embora se diga que tudo quanto é demais é erro, a verdade é que também pode ser um risco escrever de menos.

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