De pequenino se torce o pepino (ou não)
Não conheço nenhuma receita para fazer um leitor, embora suspeite de que há coisas que ajudam muito. Se, por exemplo, houver livros em casa – e os pais forem, eles próprios, leitores –, se as crianças tiverem quem lhes leia histórias desde pequeninas, interiorizarão a leitura como uma actividade natural e não resistirão a tentar. Mas creio ser necessária uma espécie de clique desencadeado por um livro particular (que nunca se sabe qual é) para existir paixão – e é essa paixão que determinará o hábito, a repetição do gesto e a capacidade de se enfrentar o fiasco que se pode tornar a leitura de um título e, ainda assim, não desistir de procurar outro. De todo o modo, fico muitas vezes a pensar se não haverá qualquer coisa de inato no gosto pela leitura, qualquer coisa não transmissível pelo outro nem passível de ser aprendido. Lembro-me por exemplo da minha afilhada que, em pequena, detestava tudo o que fosse actividade física e estava constantemente a ler, a ponto de, quando não tinha nenhum livro novo, reler os antigos e dizer que descobria neles sempre coisas em que não tinha reparado da primeira vez. A mãe contava que, se lhe dessem um papel para a mão, ela o lia obsessivamente até ao fim, tratasse-se de um folheto publicitário, de uma receita médica ou da lista de compras do supermercado. E nem se pode dizer que fosse uma menina típica de letras, pois, chegada a hora de escolher a área de ensino, até se viu obrigada a mudar de escola e deixar os colegas por ter optado por Artes, pensando seguir Design ou Arquitectura. Por outro lado, sei de pessoas que foram parar à edição por amor aos livros, oriundas de famílias que não liam nada. Talvez o bichinho dos livros morda alguns mesmo antes de saberem ler e a nossa insistência com outros para que experimentem não dê em nada por não terem dentro o veneno necessário.