Bebé sabe
Tenho um irmão que é professor universitário e sempre viveu rodeado de livros (quando, na infância, eu lia quadradinhos, já ele lia a História Universal da Verbo, em dez volumes, durante as férias). Esse meu irmão tem três filhas, a mais velha das quais foi um bebé voluntarioso e independente que nunca deixava que lhe fizéssemos nada (nem sequer dar de comer), empurrando-nos e respondendo apenas: «Bebé sabe.» Um dia, estava o meu irmão a fazer um trabalho importante com vários livros abertos sobre a secretária quando ela começou a mexer-lhes e a fingir que os lia. A princípio, ele achou graça, mas, ao fim de um quarto de hora, reparou que ela lhe tinha desmarcado as páginas e começou a ficar ligeiramente aborrecido. Mandou-a então ir brincar com os livros dela, que tinham bonecos, dizendo-lhe que aqueles livros que ali estavam só tinham letras e que não lhe serviam para nada, pois ela (então com dois anos e meio) não sabia ler. A resposta, contudo, foi a de sempre: «Bebé sabe.» Precisando de retomar o trabalho e querendo pôr fim às interrupções, ele decidiu que o melhor era desafiá-la, passando-lhe um livro aberto e dizendo-lhe: «Então, se sabes ler, diz lá o que é que está aqui escrito.» Contra todas as expectativas, ela não se deixou abater: acompanhou com o dedo minúsculo uma linha inteira do texto (como certamente já vira alguém fazer) e respondeu com ar maroto ao cabo de uns instantes: «O bebé pode mexer nos livros do pai.»