Logo mais à tarde, pelas 18h30, estarei na Livraria Bertrand do Chiado para uma conversa com José Luís Peixoto, de quem fui orgulhosamente editora durante uns quantos anos e uns quantos livros (e cuja produção literária continuo, evidentemente, a acompanhar). O convite partiu dele, mas, fosse como fosse, não podia recusar, uma vez que estaremos ambos ali para falar de Nenhum Olhar, o seu primeiro romance – vencedor do Prémio Literário José Saramago –, que agora terá a sua estreia em versão digital. Acredito que esta nova forma de olhar o texto gere também novos leitores, embora não me consiga separar do papel, pois foi em livros com capa e folhas reais que fiz toda a minha aprendizagem. Mas esse será apenas um dos tópicos da conversa, já que muito mais haverá a dizer sobre este livro que de certa forma mudou a minha vida enquanto editora. Se não tiver planos, apareça por lá.
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Joaquim Jordão 01.04.2012
IOGURTES
Um iogurte, com um litro de leite, dá para fazer oito.
Enquanto ficam ali umas oito ou nove horas no tranquilo morno da iogurteira, refugio-me a escrever no sossego da biblioteca.
Os livros, por vezes, multiplicam-se. Ando nesta altura às voltas com o terceiro de uma série em que cada um faz contas com o(s) anterior(es).
Também os iogurtes se multiplicam. No caso, multiplicam-se exponencialmente. Cada um daqueles oito daria para fazer outros oito, teria logo 64.
Se estivesse na onda do empreendedorismo – melhor, se não preferisse ter simplesmente o prazer de, ao nascer do sol, desligado o computador e abertas as janelas para arejar a biblioteca, saborear um iogurte com mel e canela antes de ir dormir – se não fosse essa bendita teimosia, de cada um daqueles 64 faria mais oito, num total de 512.
Aqui, diz-me a experiência, a partir da terceira geração os iogurtes começam a perder qualidade, como acontece com os livros. É prudente começar uma nova trilogia. Farei essas contas…
A quem a prudência possa interessar, atenção: assim à primeira vista, até parece que 512 por semana daria para governar decentemente a vidinha. Uma pessoa poderia continuar sossegadamente a escrever durante a noite, que a logística não seria nada de transcendente: bastariam 64 iogurteiras, capacidade de armazenamento em frio e um adequado meio de transporte até ao destino. Mas não é bem assim.
O grande problema dos iogurtes é, como o dos livros, a distribuição. Como fazê-los chegar às pessoas.
Ainda se, ao menos, as livrarias tivessem frigorífico…
TORRADAS DO PÃO-QUE-SOBRA
Sou um privilegiado. Todas as manhãs, aí pelas seis, seis e tal, o padeiro vem pendurar-me na maçaneta da porta um saquinho com meia-dúzia de pães. Ao despertar dos sábados, antes de ir dormir, sentado na cozinha a saborear o iogurte com mel e canela, faço de conta que não lhe ouço o rádio da carrinha, a pressa dos passos na escada, o restolhar do saco de plástico.
Dos seis pães sobram-nos habitualmente quatro, que permanecem na convencional cesta sobre a mesa, dentro do saquinho, até ao dia seguinte, e vão depois para o frigorífico, a enrijar. Cada semana juntamos ali uns 24 pães, a maioria já suficientemente duros para, com a faca eléctrica, serem multiplicados em fatias, finas como páginas.
Dormido o sono legal, e dormida também, ora essa, a sesta a que tenho direito depois do tardio almoço – e por essas calmas vias revisitado o que escrevi durante a noite, engendrados novos desenvolvimentos, imaginadas novas páginas – chega a hora de, enquanto o jantar está em andamento, ligar o forno e fazer o milagre das torradas.
Cada tabuleiro leva, bem arrumadinhas, as páginas de três capítulos e meio. Para fazer os quatro livros semanais preparo 14, dos mais rijos. Os que sobram ficam no frigorífico, para a próxima edição.
A leitura é feita durante as refeições, a acompanhar – melhor, a enriquecer, se é possível – os saborosos cozinhados que saem daquelas santas mãos de quem eu tenho o privilégio… (Desculpem, às vezes nem consigo escrever direito, por causa destas emoções que me entortam as linhas…)
Mas é nas minhas particulares sobremesas que as frágeis páginas verdadeiramente brilham, quando nelas posso ler um verso de compota de framboesa, um diálogo da geleia com o pau de canela, por vezes uma nota de queijo da serra no rodapé…
O padeiro traz-me, todas as manhãs, propostas de novos livros.
Ainda se, ao menos, as padarias tivessem máquinas de imprimir…