O karma da adolescência
«O grande romancista americano», como lhe chamou a revista Time assinalando a saída de Liberdade, o seu mais recente romance (pelo menos, em Portugal), escreveu um livro de não-ficção extraordinário (fica bem dizer a palavra neste blogue). Jonathan Franzen, como todos nós, foi adolescente – e, se pensamos que a nossa adolescência foi um período complicado e cheio de contrariedades, vale bem a pena acompanhar a dele em A Zona de Desconforto, publicado há cerca de um mês pela Dom Quixote. Franzen nasceu no mesmo ano que eu e, embora a Europa e os Estados Unidos favoreçam experiências de vida bastante distintas, as pessoas dos 10 aos 18 anos são adolescentes onde quer que morem e encontrei neste relato dos dramas e conquistas do escritor americano muita coisa que vi e senti exactamente do mesmo modo. Aliás, as discussões dos pais sobre se o ar condicionado devia ou não estar na zona de conforto lembraram-me algumas das que assisti entre os meus progenitores à beira da separação. Mas há muito mais pontos em comum, como a adoração pelos Peanuts, de Charles Schultz (Charlie Brown é uma espécie de alma gémea do Franzen adolescente) e a invenção de asneiras colectivas, como retirar badalos de sinos, que a minha irmã também levou a cabo no colégio para fazer durar mais o intervalo. Não é, no entanto, a identificação que importa – e feliz será quem não se identifique com nada, digo eu – mas a circunstância de este ser um livro profundo, sincero, justo e gerador de razões para Jonathan Franzen ser hoje um grande escritor do mundo inteiro.