O contrário do idílio
Conheço muitas pessoas que se fartam da cidade e sonham refugiar-se depois da reforma (se a tiverem) numa aldeia quieta e perdida entre pedregulhos. Mas quem leu O Rebate, o mais recente livro de J. Rentes de Carvalho publicado em Portugal pela Quetzal, saberá que a vida na aldeia pode ser o contrário desse idílio. No local onde decorre a acção do romance, abundam, efectivamente, coisas tremendas: desde logo a pobreza que toca a todos, cheios de dívidas que nunca conseguirão pagar – e de vinho para se esquecerem delas; mas também a inveja em relação aos que voltam de França forrados à custa de um sogro que lhes pôs a filha mais ou menos à disposição para a guardar de uma vida que tudo indicava vir a ser demasiado licenciosa. Quando Abel Valadares põe o pé na sua aldeia natal casado com uma francesa para as festas de Agosto, a pagar copos a toda a gente e a perdoar as maldades dos rapazolas que logo lhe partem o vidro do carro, nem sabe o que o espera; porque ali ninguém perdoa o êxito de ninguém, a força bruta sabe dar murros, tiros e apalpões à má-fila quando calha – e uma francesa que mostra as coxas e fuma... já se sabe. Difícil por vezes descobrir quem diz o quê nos longos diálogos que atravessam esta história transmontana e crua (mas, como são quase todos da mesma cepa, se calhar nem importa assim muito), O Rebate fica a repicar dentro de nós por muito tempo depois de termos lido a última página. E desmotiva um pouco esses sonhos com aldeias...