A casa dos loucos
Ficamos sempre incrédulos quando alguém que anda ao nosso lado há anos, ou nos habituámos a ver na televisão com um comportamento absolutamente «normal», acaba por revelar-se capaz de certos actos que cremos pertenceram apenas a gente doida ou psiquicamente muito perturbada. Foi assim que seguramente se sentiu a maioria de nós quando Carlos Cruz foi acusado de pedofilia, por exemplo; e, seja ele condenado ou não, a verdade é que haverá sempre gente que acreditará na sua inocência e jurará a pés juntos que foi vítima de uma maquinação. Pois aquilo em que creio ao fim de mais de cinquenta anos de vida – em que vi tantas pessoas serem, afinal, aquilo que não esperava (não necessariamente criminosas, entenda-se) – é que a linha que separa a loucura da sanidade é mesmo ténue, podendo quebrar-se a qualquer momento e desvendar um lado obscuro e estranho em alguém que parecia aos nossos olhos inofensivo e transparente. Assim, os hospitais psiquiátricos não estarão cheios de loucos ferozes, como no nosso imaginário infantil e adolescente, mas de muita gente que, provavelmente, pareceria completamente sã se andasse na rua ao nosso lado. A este título, António Lobo Antunes – escritor e psiquiatra – disse, de resto, um dia destes uma coisa muito curiosa, referindo-se ao que tinha sentido depois de acabar o curso de Medicina e ao entrar pela primeira vez num hospital psiquiátrico: «Uma mistura entre um filme de Fellini e a casa da minha avó!»