O real ao serviço da escrita
Li algures que, nos últimos dez anos, os livros de ensaio escritos em português e publicados em Portugal foram significativamente menos do que nas décadas precedentes. Não falo de não-ficção em geral, uma vez que se multiplicaram biografias de reis, rainhas e estadistas e não faltaram também os livros de dietas, cozinha e psicologia; falo, sim, de obras de pensamento estruturado, normalmente de índole política e filosófica, que aparecem cada vez menos nos nossos escaparates. Num destes fins-de-semana, porém, uma breve notícia no suplemento «Actual» do Expresso referia que em Espanha a situação, que era semelhante, está a inverter-se com o movimento contestatário 15-M, que já deu origem, com a sua acção, a mais de duas dezenas de obras «filhas» deste grupo, algumas das quais questionam o direito à desobediência civil e propõem alternativas à actual política social espanhola. Talvez o nosso espírito demasiado brando obste a um movimento deste tipo (somos, apesar de tudo, mais «come e cala» do que os espanhóis), mas não me admiraria muito se, com a austeridade vigente e o agravamento das condições de vida, não começassem a surgir de repente ensaios portugueses que nos ajudem a pensar o momento e apresentem alternativas às medidas da Troika.