Ler canções
Gosto de separar poemas de letras, porque as letras, para se acomodarem ao espartilho da música e serem cabalmente entendidas no tempo que o intérprete leva a brindar-nos com a canção (depois, já não vale), acabam por enfermar de uma simplicidade (ou de um simplismo) que nada tem que ver com a poesia (tantas vezes cheia de nós e laços para desatar). Contudo, existem autores de letras que são escritores fenomenais, sabendo não só meter as palavras na música, mas também dar ao conjunto uma profundidade e uma grandeza que só os maiores poetas às vezes atingem. Considero Chico Buarque um deles – mas há mais – e o tema deste post surgiu num domingo extremamente bem passado, que começou com um sushi de qualidade numa esplanada lisboeta à hora de almoço e terminou num jantar regado a canções do génio brasileiro, que ando a coleccionar em CD vendidos com o jornal Público a preço amigo, porque não tinha tudo e os discos em vinil ficaram, provavelmente, em casa da minha mãe – se é que eram meus, e não de um dos meus irmãos. E, depois de ouvir quase tudo, nem é assim tão estranho que Chico Buarque se tenha posto a escrever romances (acho que já aqui falei sobre Leite Derramado; senão, tenho gosto em fazê-lo) porque já era escritor antes disso. Basta ouvir Meus Caros Amigos com toda a atenção para perceber que as letras são uma literatura pegada, sendo a música um poema igual ou melhor. Olhos nos Olhos é uma das minhas preferidas deste cantautor. Aos domingos, depois de tanto livro, também sabe bem ler canções.