Confissões
Não é, nem de perto nem de longe, o meu livro favorito do autor, mas, impelida pelo entusiasmo de alguns leitores deste blogue – mais do que todos, Ana B. e Isabel –, lá me apressei a «ouvir» A Confissão da Leoa, de Mia Couto, um romance baseado em acontecimentos reais que se prendem com o aparecimento de leões numa aldeia moçambicana, onde foram devoradas algumas pessoas. O assunto não é fácil porque o ponto de partida parece até demasiado ficcional para poder dar certo, mas as duas personagens que dão conta do drama – Mariamar e o caçador – são muito bem desenhadas e têm, efectivamente, vidas que valem a pena ser narradas. A primeira é a irmã mais nova da última vítima dos leões e foi proibida de sair de casa, não por causa da proximidade das feras, mas justamente para que o caçador não a leve consigo quando, enfim, conseguir dar cabo delas; o segundo é um homem apaixonado pela mulher do irmão, internado num hospital psiquiátrico desde que disparou contra o pai de ambos, em circunstâncias tão ambíguas que nunca se chegou a saber se foi um acidente. E, com a ajuda deste duo improvável – caçador e presa –, acompanharemos o dia-a-dia numa aldeia atrasada e machista, onde há quem pense que os homens são muito mais perigosos do que os leões, sendo alguns deles capazes, inclusivamente, de os fabricar. Embora a primeira metade do livro me tenha parecido bastante mais conseguida do que a segunda (com algumas coisas mais ou menos previsíveis), este é um bom livro sobre as feras que os homens trazem dentro deles, sobre as superstições e como servem o poder dos homens, sobre as feridas e o desejo da cura.