Ser e parecer
No ano passado, apostei em Milan Kundera para o Nobel da Literatura, pois houve movimentações que o faziam supor, das quais fazia parte a edição da sua obra em França na Pléiade, que é só mesmo para os autores especiais de corrida. E numa noite destas li um livro seu muitíssimo curioso – A Identidade. Conta a história de um casal que se ama e que, se não (se) questionasse, poderia ser o casal perfeito. Mas, às tantas, o medo instala-se. O medo do envelhecimento e de deixar de atrair a atenção dos homens (da parte dela, porque o amante é uns anos mais novo); o medo de ter estado enganado sobre ela e de perder a ligação ao mundo (da parte dele, pois Chantal é o elo que o une à vida). As questões do sexo e das fantasias eróticas, a sedução das cartas anónimas de um estranho admirador, os mortos e os vivos de um passado que parecia remoto – mas afinal regressa –, a descoberta de que a pessoa amada não é exactamente quem pensávamos e ainda uma frieza em relação à morte de uma criança, que é, simultaneamente, uma ardência que permite o encontro de ambos, conduzem o par a uma experiência de ruptura e a uma espécie de arrependimento. Mas não será demasiado tarde para recuperar o que já se perdeu? Pouco mais de cem páginas, mas sempre profundas, como é habitual em Kundera. Talvez este ano lhe dêem o Nobel, veremos.