Lutos em vida
Digamos que A Caixa Negra, de Amos Oz, não será exactamente o livro mais indicado para as férias – se nas férias devemos ler coisas diferentes das que lemos o resto do ano, claro, de preferência menos deprimentes (mas as deprimentes, bem sei, às vezes são as melhores); é, no entanto, um livro que, a partir de cartas e outros materiais escritos (notas para um ensaio, telegramas, etc.), faz uma radiografia à relação de um casal divorciado (Ilana e Alec) e, por extensão, também ao conflito israelo-palestiniano. Notável na forma como nos revela no decurso da história quem são, efectivamente, as personagens (por exemplo, o bonzinho actual marido de Ilana, que é, afinal, um bom ladrão e um bom fanático) e no modo como um advogado judeu alemão tão depressa nos parece apenas um oportunista como o melhor amigo do seu cliente, este romance epistolar é também uma lição sobre o poder da argumentação, o luto impossível de certos relacionamentos, o medo e a coragem para seguir em frente. Mas é um livro triste e escuro (o último terço é belíssimo), tal como a caixa negra de um avião, que nos mostra o que estava podre e conduziu ao desastre.