À espera de uma carta
O grande Juan Marsé sabe como ninguém compor personagens delirantes e cheias de humanidade (capazes também, portanto, de muitas maldades). E, em Caligrafia dos Sonhos, uma delas guarda um pouco do próprio autor que, segundo reza a biografia, foi abandonado à nascença e, como Ringo, o protagonista desta história, cresceu com uma família que não era a biológica. Centrado em Barcelona no período pós-Segunda Guerra Mundial, este romance fala de um rapaz pobre que queria ser pianista, mas a quem o destino prega uma valente partida – o que não chega, mesmo assim, para o domar na sua rebeldia nem na sua atitude para com a fabulosa senhora Mir (que espera uma carta demasiado importante e não pára de perguntar por ela) ou a filha Violeta (por quem está apaixonado, mas que trata como se ela lhe fosse indiferente). O contrabando, a actividade política clandestina, as conversas no bar Rosales, que é o lugar onde tudo se sabe, o comportamento dos adolescentes e a descrição das fricções e massagens da senhora Mir (uma espécie de curandeira sentimentalona e dada à chacota) são tudo matéria irresistível numa narrativa que não tem um verbo a mais e que acaba da forma mais surpreendente que é possível imaginar (com um fim depois de outro fim). Se a carta chega ou não à destinatária, é preciso ler para descobrir…