O Fugitivo
Não sei se alguém se lembra de uma série de TV que fez bastante sucesso na minha adolescência, intitulada O Fugitivo, que contava a história de um médico injustamente acusado de ter matado a própria mulher que era obrigado a fugir. Pois bem, este livro que hoje vos trago aproxima-se dessa história, uma vez que o seu herói teve de andar fugido nove anos sem ter cometido qualquer crime senão o de ter escrito um romance – Os Versículos Satânicos – que a fatwa considerou anti-islâmico. Salman Rushdie soube por telefone que fora condenado à morte pelo aiatola Khomeini em 1989 no dia de S. Valentim (uma ironia) e foi obrigado a mudar de nome, de casa, de hábitos, a viver rodeado de polícias, a entrar na clandestinidade, a reconquistar a liberdade junto de governos, serviços de informação e jornalistas. É isso, de resto, que o contemplado com o Best of the Booker por Os Filhos da Meia-Noite nos conta em Joseph Anton - Uma memória, um relato franco e desapiedado da sua vida nesse tempo (o Joseph foi roubado a Conrad e o Anton a Tchékhov – dois autores que admirava – mas havia outras hipóteses para a sua falsa identidade, como Vladimir Joyce ou Marcel Beckett). O volume é longo e pesa (são mais de 700 páginas), mas não é preciso ler tudo de uma vez. Num momento em que a publicação de um cartoon sobre Maomé ou a divulgação de um filme doméstico grosseiro sobre o Profeta andam nas bocas do mundo e originam a perda de vidas humanas, este testemunho lembra que as hostilidades estão longe de desaparecer.