Fazer o luto
Rui Cardoso Martins, que venceu com o seu romance Deixem Passar o Homem Invisível o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores em 2010, regressa agora aos escaparates com uma novidade intitulada Se Fosse Fácil Era para os Outros. Mas não se deixem enganar os leitores mais desprevenidos com este título aparentemente leve e com reminiscências de auto-ajuda, porque se trata de literatura séria, mesmo que não isenta de humor (às vezes, bem negro), como, aliás, seria de esperar de um escritor que foi um dos fundadores das Produções Fictícias e um dos co-autores de programas como Contra-Informação, Herman Enciclopédia ou Estado de Graça. O ponto de partida do livro é, porém, bastante triste e prende-se com a morte da mulher de um narrador que, apesar de ter informado todos os interessados do sucedido, continua a receber em casa correspondência em nome dela, seja do ginásio, do seguro, da empresa de telemóveis ou da agência de viagens. É, de resto, por correio que chegam dois cartões de crédito novinhos em folha para uso da falecida e com alto plafond, que desencadearão um acto bastante louco por parte do viúvo, que é o de financiar um périplo pelos Estados Unidos (onde está o «Pior Povo do Mundo») para si e para os seus amigos Adriano, Luís, Carlos e João (que os apanha já em Orlando e com eles segue viagem). A única condição («único» é, aliás, uma das palavras preferidas de um deles) é ninguém se referir àquela dor maior que é, no fundo, a verdadeira razão desta espécie de fuga, embora ela esteja sempre presente sem ser nomeada e faça da viagem muito mais do que uma aventura de amigalhaços num país reaccionário, onde ainda há gente capaz de se manifestar por causa do adiamento de uma execução (mesmo que, do outro lado da rua, estejam outros a bater-se pela salvação do condenado à morte). Mordaz, com um ritmo alucinante, profundo e ao mesmo tempo surpreendentemente acessível, este é um romance on the road com laivos lobo-antunianos para todos os que gostam de boa ficção e, muito especialmente, para os que, em vez de quererem fazer o luto, o preferem celebrar.